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Contagem de espingardas

João MeloJoão Melo*

Em Julho escrevi aqui que virá o dia em que todos os povos e governos serão instados a definir qual o lado da barricada onde se engajam. Não foi preciso esperar muito, dois meses depois é visível a contagem de espingardas: 1 de Setembro “face às constantes ameaças da China sobre Taiwan, os EUA celebraram um novo acordo bilateral com este território”; 20 de Setembro “EUA pressionam Vaticano a não renovar acordo com a China”; 25 de Setembro o embaixador norte-americano avisa que “Portugal tem de escolher entre os aliados e os chineses”; amanhã, 6 de Outubro, Mike Pompeo, principal proponente da Guerra Fria 2.0 inicia uma visita ao Japão onde participará numa reunião ampla com ministros da Índia e Austrália. Será para discutir o aquecimento global? As ideias que tenho vindo a expressar partem da impressão de nos encontrarmos a menos de cinco anos de um conflito mundial, assunto que abordarei numa próxima oportunidade. O que falo no referido texto vai além do saber que seremos colocados perante a inevitabilidade de tal escolha, isso é algo que qualquer bom senso lobrigará; interessa-me é perceber como aí chegaremos, porque quando chegarmos ninguém se lembrará do processo, não haverá tempo nem disposição, a urgência de uma decisão obrigar-nos-á a optar ainda que a contragosto. Não adiantará grande coisa mas eu quero lembrar-me. Os prazos do 5G e a agenda de Trump, que está a apostar as fichas todas de modo a lograr a reeleição, fazem com que desde já nos estejam a ser mostrados dentes e punhos.

Não foi igualmente preciso esperar muito para assistirmos a um exemplo das consequências ridículas da soberba, o assunto sobre o qual escrevi na semana passada. Não é o primeiro nem será o último no contexto da pandemia, porém o presidente dos Estados Unidos é certamente o mais mediático. Pareceu começar por negar, depois negligenciar; nos últimos meses navega num mar de incongruência cujo fito é salvar a pele, e eventualmente salvar a economia norte-americana, os dois itens no topo das suas preocupações. Escrevi nesse texto que quem menos procura conhecimento é quem mais tem certezas, e Trump é um dos melhores paradigmas deste conceito, as barbaridades proferidas durante o seu mandato são bem exemplificativas. Sempre publicou no Twitter frases de cariz “eu sei, eu fiz, eu aconteci”; logo após a infecção surgiu uma nuance: “vamos ultrapassar isto JUNTOS”. Não sei se sobreviverá ao vírus, contudo penso que se escapar com vida verá reforçadas as suas convicções, ou seja, voltará aos tweets “eu sei…” com mais soberba, portanto mais ridículo para uns, mais mitificado para outros. Obviamente que os seguidores vibrarão à sua frequência, acentuando a paranóica clivagem da sociedade actual, e também será lógico presumir que o ter sido infectado foi o golpe d’asa que faltava para consolidar uma forte possibilidade de vencer as eleições, ao género da facada de Bolsonaro. Talvez até seja elevado a um estatuto de visionário ou santo, quem sabe? Não questiono a veracidade da infecção, agora que lhe dá um jeitão enorme, lá isso dá, quase em cima da meta injectou um tónico adicional à campanha. Se Biden se infectasse estava acabado, sendo Trump a vítima, a auto-entrega sacrificial dá-lhe força. No entanto a eventualidade de perecer ou quedar-se incapaz de disputar as eleições não alterará a dinâmica instalada no mundo, este ou outro protagonista apenas a agilizam ou atrasam; a contagem de espingardas está em curso independentemente de quem aparecer a dar a cara.

*Músico e Embaixador do Plataforma

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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