A jovem de 22 anos que se tornou a força do movimento #MeToo no Egito

por Rute Coelho

Nadeen Ashraf, estudante universitária de Filosofia, não imaginou o impacto que iria causar quando decidiu criar um perfil anónimo de Instagram com o pseudónimo @assaultpolice para denunciar um abusador sexual da Universidade mais prestigiada do Egito

No início deste verão, uma página anónima do Instagram com o pseudónimo @assaultpolice nomeava e envergonhava um homem que era um notório abusador e assediador sexual na Universidade mais prestigiada do Egito. O post na rede social causou sensação. Mal sabiam os amigos de Nadeen Ashraf, uma jovem de 22 anos estudante de Filosofia, que era ela por detrás da mensagem, como escreve hoje o jornal The New York Times (NYT), que traça um perfil da ativista.

A experiência começou, num ataque de fúria, na calada da noite. A 1 julho, Nadeen estava acordada até tarde para estudar para um exame quando ficou alarmada com o desaparecimento misterioso de um post de Facebook de uma colega. Dias antes, essa colega estudante na Universidade Americana do Cairo publicara o aviso no Facebook sobre um homem que descrevia como predador sexual – um jovem impetuoso e manipulador de uma família rica que estaria a assediar e a chantagear mulheres no campus.

Revoltada com o desaparecimento misterioso desse post, Nadeen Ashraf deixou de lado os seus livros e criou uma página do Instagram com um pseudónimo – @assaultpolice – onde identificou o homem, Ahmed Bassam Zaki, colocou a sua foto e listou as suas várias ofensas contra as mulheres. “Este homem está a safar-se de coisas destas desde o 10º ano”, escreveu a jovem. “Cada vez que uma mulher abria a boca para o denunciar, alguém a fechava com fita adesiva. Eu quis acabar com isto”.

Depois de criar a página, Nadeen Ashraf caiu na cama às 6.00 da manhã e dormiu. Quando acordou, tinha no portátil centenas de notificações de pessoas que aplaudiram o seu post e cerca de 30 mensagens de mulheres que confidenciaram que também elas tinham sido assediadas por Bassam Zaki. Algumas contaram mesmo ter sido violadas por ele. Nasceu assim o moviumento egípcio do #MeToo.

Numa semana, Bassam Zaki estava preso, a conta @assaultpolice tinha 70.000 seguidores e a página desencadeava uma torrente de testemunhos de outras mulheres egípcias cansadas de serem humilhadas e violadas.

A agressão sexual é endémica no Egito. Um estudo das Nações Unidas em 2013 descobriu que 99% das mulheres sofreram assédio ou violência – mas denunciá-lo é notoriamente difícil. Os polícias mostram-se relutantes em registar casos de agressão. As instituições poderosas preferem varrer as acusações sob o tapete. Até mesmo as famílias das vítimas, receosas de escândalos ou do sentimento de vergonha, tendem a abafar os casos.

A página de Nadeen Ashraf ofereceu um novo caminho. “Foi tão maravilhoso”, lembrou a jovem, entrevistada pelo NYT em casa da sua família. “Muitas das jovens que entraram em contacto diziam: ‘não posso acreditar que finalmente alguém me ouve'”. Havia uma sensação de capacitação, de alívio”.

A 1 de setembro, as autoridades acusaram Bassam Zaki, 21 anos, de três crimes de abuso sexual sobre menores, e múltiplos crimes de chantagem e assédio sexual. Zaki está em prisão preventiva a aguardar julgamento.

Nadeen Ashraf não corresponde ao arquétipo da rebelde egípcia. A ativista cresceu numa família apolítica que mora num condomínio fechado de uma comunidade no leste do Cairo – um lugar de relvados bem cuidados e ruas silenciosas abrilhantado com carros de luxo, onde o apoio ao líder autoritário do Egito, Presidente Abdel Fattah el-Sisi, é relativamente alto.

O pai de Nadeen é dono de uma empresa de software, a mãe é nutricionista, e a família ficou sossegada nos subúrbios durante a Primavera Egípcia de 2011 que derrubou o então Presidente Hosni Mubarak, e durante os protestos de 2013 que deram início a um golpe militar e à ascensão do governo de Fattah-el-Sisi.

Quando o movimento #MeToo rebentou nos Estados Unidos em 2017, motivada por acusações contra o produtor cinematográfico Harvey Weinstein, Nadeen não prestou muita atenção – mesmo que ela tivesse no passado a sua própria experiência de agressão sexual. Quando tinha 11 anos, um homem aproximou-se dela enquanto caminhava pela rua e apalpou-lhe o traseiro. “Levei anos a perceber que tinha sido um ataque sexual”, contou a jovem.



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