Onde Judas perdeu as botas e o desenvolvimento é uma miragem

por Rute Coelho
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Está a decorrer uma campanha promovida pelo governo português com descontos até dezembro para quem visitar Portugal na hotelaria, restauração e produtos culturais. “#TuPodes – Visita Muito Por Pouco é a nova iniciativa que visa estimular a procura turística interna na época baixa e que conta com uma dotação orçamental de 50 milhões de euros.

É bom e salutar incentivar os portugueses a conhecerem o país. No meu caso, não esperei pela época baixa e fui para fora cá dentro em setembro, explorar a belíssima Serra do Açor e as suas aldeias de xisto, em que se destaca o cartão postal que é o Piodão. Para além dos encantos naturais da região, confrontámo-nos com o duro impacto do despovoamento e o isolamento a que é o votado o interior do país, apenas lembrado em campanhas eleitorais.

No Piodão, que ainda assim é a mais turística e provavelmente a mais visitada das aldeias de xisto na Serra do Açor, vivem atualmente pouco mais de 60 pessoas, garantiu-nos quem conhece a terra como a palma da mão.

A antiga escola primária da aldeia, do tempo do Estado Novo, fechou, está em obras para um futuro projeto cuja finalidade ainda não é conhecida. As poucas crianças do Piodão têm de apanhar um autocarro todos os dias para ir à escola em Oliveira do Hospital. São 34 quilómetros mas 57 minutos de distância porque estamos a falar de um percurso de serra em estrada nacional. Como nos contou um jovem que trabalha na aldeia e ama a terra, quando frequentou o liceu a família percebeu que era mais vantajoso ele ficar em regime de internato em Oliveira do Hospital. E assim ficou.

Um percurso pedonal pela serra que liga o Piodão a duas outras aldeias de xisto, Foz d’Égua e Chãs d’Égua, de uma beleza indescritível, fez-nos chegar ao coração do nada, onde o calor, o vento ou o frio, consoante a estação, reinam como déspotas. Em Chãs d’Égua encontrámos apenas uma alma, um antigo emigrante na Holanda. Não há qualquer infraestrutura na aldeia, nem um posto de saúde aberto, um café ou sequer uma mercearia. Para abastecer de víveres, os habitantes têm de ir a Oliveira do Hospital e por isso fazem-no uma vez por mês apenas compensando a deslocação com uma carga de lotar a dispensa.

O homem do fim do mundo contou-nos que, ainda assim, as antigas casas de xisto da aldeia estão a ser vendidas a 200 mil euros, por causa do alegado interesse turístico.

Na aldeia de Benfeita os únicos a povoarem de vida o lugar são os hippies holandeses e ingleses com os seus filhos muito louros e joviais. Em Vila Côva de Alva foi desolador ver várias casas abandonadas, algumas ruínas causadas por fogos e o som sibilino do vento nas portadas.

Isto é o interior centro do país. De um Portugal que está a galáxias de distância do 5G, das tendências do sushi ou do ramen ou do último grito em séries da Netflix.

Quando se fala em que é preciso apostar no interior, um discurso recorrente em campanhas eleitorais, o foco deve ser apenas um: o povoamento. E para povoar estas aldeias tem de haver investimento público e ainda incentivo ao investimento privado e criação de emprego. O turismo interno (ou externo) não chega. Mesmo para quem visita dói a alma perceber que são cartões postais e aldeias fantasmas.

*Jornalista do PLATAFORMA

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