“Foi surreal. Não teria sobrevivido se fosse numa artéria”, conta português atacado por crocodilo

por Guilherme Rego
Guilherme Rego

Fernando Madeira, um português que já passou por Macau, foi mordido este domingo por um crocodilo de água salgada em Timor-Leste, escapando com vida. Numa conversa com o PLATAFORMA, conta a história do ataque, outros encontros com crocodilos e ainda lança um apelo às autoridades

O incidente ocorreu a cerca de 200 metros da costa, numa zona de recife de coral onde estava com um amigo a fazer pesca submarina na manhã de domingo, na zona de Bunduras, a cerca de 45 minutos de barco da principal praia de Baucau, Wataboo.

Tudo indicava que seria uma pesca submarina calma. “Já tinhamos falado com os pescadores e não tinham visto nada de suspeito. Havia tartarugas na zona (indicador de que não deve haver perigo) e a água estava límpida”.

O ataque foi de surpresa e Fernando confessa que prefere assim. “Imagina o que é veres um crocodilo à tua frente a fazer um movimento de ataque. Não quero ter essa imagem na minha cabeça”, disse ao PLATAFORMA.

“Não sou a favor de matar qualquer animal, sou um naturalista, mas alguma coisa tem de ser feita. É muito perigoso estar em zonas balneares”, deixou claro.

“Em Hong Kong, por exemplo, criaram-se zonas balneares protegidas com redes para diminuir os ataques de tubarão tigre, que eram recorrentes. O aumento das populações de crocodilos em Timor-Leste preocupa. Tem de haver mecanismos por parte das autoridades para proteger as pessoas, nem que seja a simples sinalização de perigo. Os pescadores, por exemplo, precisam de segurança para realizar o seu trabalho”, explica.

No entanto, a tarefa não é fácil de concretizar, dadas as crenças de grande parte da população timorense. Além do mito de criação do país, da ilha crocodilo – há muitos rituais, poemas e outras manifestações culturais que honram o ‘avô Lafaek’ (crocodilo). Também há quem veja nos ataques uma espécie de punição da natureza contra as vítimas, fatores que condicionam as respostas das autoridades ao problema, segundo informações avançadas pela Lusa. “Quando alguém desaparece por ataques de crocodilo, as pessoas costumam fazer uma oferenda e sacrificar um animal para ter em retorno o corpo, de maneira a realizar o funeral”, relatou Fernando.

“Até se podem criar zonas turísticas e protegidas onde se observe estes animais no seu habitat natural”, refletiu.

Mas a situação nem sempre foi a que se vive. Até recentemente, os crocodilos não representavam o perigo que hoje são. “Quando Timor-Leste estava sobre domínio indonésio, a população de crocodilos era controlada, agora não é feito nenhum tipo de vigilância a esta espécie e, como tal, proliferam pela região. Para além disso, são muito territoriais até com outros crocodilos, o que significa que estão mais disseminados”.

Este fenómeno não produz efeitos negativos só para os humanos. Segundo Fernando, há outras questões para analisar. “O crocodilo é um predador que não tem qualquer tipo de concorrência. Os outros animais, como por exemplo a população das tartarugas locais, tem diminuído consideravelmente”, alerta.

No entanto, Fernando Madeira assume que todo o cuidado é pouco e que a partir de agora a pesca submarina vai ser uma atividade que não vai arriscar mais em Timor, a não ser em ambientes controlados. “Foi surreal, um milagre!”

É importante realçar que este não foi o primeiro encontro do português com um crocodilo. É a terceira ocorrência em que lidou com o predador pré-histórico. “Houve uma vez que fui fazer pesca submarina à noite com dois amigos. De repente, um crocodilo em movimento de ataque passou mesmo no meio de nós. Até hoje não consigo perceber como não concretizou. Eles nunca falham”.

Ora, desta vez concretizou, mas deixou Fernando escapar com vida. “Há duas coisas que estranhei neste ataque. A primeira, foi não ter atingido uma artéria, o que foi uma sorte inexplicável. A segunda, foi simplesmente ter aberto a boca e ir-se embora. Os danos poderiam ter sido muito piores e até fatais. Estávamos a 200 metros da costa, a 45 minutos do carro, e ainda nos faltava uma viagem de 30 minutos ao hospital mais próximo. Não sei se teria sobrevivido se fosse numa artéria”, desabafa.

“Desde que estou aqui, já é o meu terceiro encontro com este animal. Já entrou um no meu hostel Da Terra em plena capital Díli”, revelou.

Não sabe como é que o crocodilo entrou no seu hostel, mas Fernando acredita que possa ter a ver com a captura ilegal destes animais. “Há muita gente que os captura quando são pequenos e cria-os em ambientes enclausurados, é horrível. Já vi situações em que foram colocados em tanques minúsculos e nem conseguem crescer naturalmente. O espaço não lhes permite. Sofrem de subnutrição e são mal tratados. Às vezes acontece conseguirem fugir e dá aso ao tipo de situações a que estive sujeito no meu hostel”.

Fernando Madeira encontra-se estável, mas ainda não está livre de perigo. Os crocodilos são necrófagos e têm nos seus dentes milhares de bactérias que podem desenvolver infeções graves. “Tenho uma perfuração de cinco centímetros no braço e chega quase ao osso. Já tinha tido alta hospitalar, mas quis fazer uma segunda observação em Díli e aconselharam-me a considerar uma pequena cirurgia para limpar melhor as feridas”, explicou.

“É curioso porque o barco em que fui para a zona de pesca já foi utilizado para matar um crocodilo. Há cinco anos uma criança de 17 anos perdeu a vida num ataque de crocodilo e este barco serviu para matar o animal”. Ainda hoje tem uma mossa do crocodilo que chocou contra o barco enquanto o tentavam matar. “Só soube desta história depois do ataque”.

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