Vivo no campo, numa pequena localidade, cujo município não passa as 25 mil pessoas. Nesta localidade era vulgar entrar dentro de um café, também ele pequeno, e ouvir os locais falarem sobre assuntos que os preocupavam ou interessavam. Era um micromundo. Falavam do que aconteceu à criança, ao vizinho, que falhava a água ou a luz, a tal consulta de médico que tinham marcado ou as obras necessárias para o autarca local vencer as próxima eleições. Esta é a chamada sabedoria popular, o termómetro de qualquer localidade.
Esta normalidade perdeu-se. Os cafés mudaram. Sobretudo porque muitos ainda não fazem o dito horário normal e continuam a aplicar as medidas de segurança impostas pela direção geral de saúde de Portugal. A máscara, por exemplo, torna praticamente impossível uma troca de impressões sobre o que o autarca local deveria fazer em termos de novas infraestruturas, como o povo gosta de discutir. Mas pior que as máscaras é que as pessoas que continuam a frequentar o café já só se interessam por um tema, a Covid-19. Agora num café, nos poucos minutos que as pessoas ali passam, fala-se apenas de casos positivos, pandemia e de vacinas.
É evidente que tal situação não se observa apenas nos cafés. Eu que sou jornalista pergunto-me muitas vezes se não há mais temas para encher jornais. É tudo sobre a Covid-19: casos positivos, surtos, confinamentos, lares infetados, suspensões de eventos, máscaras, quarentenas e mortes. Muitos falam que esta realidade será o “novo normal”, que teremos de viver com isto. Agora que está a chegar o outono e depois o inverno é que quero realmente ver se este será o “novo normal”. Eu até admito que viver com o vírus durante muito mais tempo seja uma realidade. Contudo, para mim, o “novo normal” será realmente VIVER com ele. Ou seja, viver o dito “novo normal”, com cuidado, mas vivê-lo. Viver com a pandemia até que a ciência seja capaz de a parar. É que parar um país uma vez até pode (foi) possível, agora uma segunda vez é complicado, para não dizer impossível.
A situação é complicada. Em Portugal os casos andam a superar os 600 por dia e as escolas ainda nem começaram. Ou seja, é mais do que evidente que os casos vão continuar a subir. Mas mesmo que tal aconteça, esse dito “novo normal” tem mesmo de ser vivido. O governo tem de permitir que o seja. Caso contrário o país volta a parar, apesar dos governantes dizerem que isso não acontecerá. O governo até poderá não ordenar o encerramento de estabelecimentos, empresas, fábricas, etc. Mas, com todas as restrições que se perspetivam, a solução futura será apenas permitir que as pessoas se desloquem para os seus trabalhos e depois para casa? Será este o “novo normal”? Se assim for, o governo não estará a permitir que o vivamos e, quer queiram ou não, grande parte do país voltará a parar. E voltará a parar porque as pessoas estão de tal forma desanimadas e cansadas que não aguentarão essas vidas. E quem sofrerá serão as empresas, com baixas, com licenças pedidas e, consequentemente, sem mão de obra.
Todos sabemos que o tempo é de prevenção. Mas o que podemos fazer, esperar anos pela vacina dentro de um “novo normal” sem o viver? Senhores governantes, não pensem que o povo aguentará esta forma de vida muito mais tempo.