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À espera da China para recuperar a economia

Nisa Mendes e Mário Baptista

O economista angolano Carlos Rosado de Carvalho considera que Angola não tem margem para pagar a dívida à China e que sem um acordo com o gigante asiático terá de haver “cortes muito violentos” na despesa

Em declarações na sequência do anúncio de um acordo entre a China e vários países emergentes para uma moratória sobre o pagamento das dívidas a Pequim, não havendo confirmação sobre se Angola está incluída ou não nesse grupo, Carlos Rosado de Carvalho aventou a possibilidade de ser elaborado um novo orçamento, mas alerta que “haverá cortes muito violentos caso Luanda não consiga negociar com Pequim o pagamento da dívida”.

O pagamento da dívida à China no âmbito do atual Orçamento Geral do Estado (OGE) revisto este ano “não é exequível”, afirma.

“Pelas minhas contas, o orçamento tem implícita uma moratória de 3,7 mil milhões de dólares, mais ou menos. Portanto, se não houver essa moratória, não sei onde é que Angola vai buscar dinheiro. Não é exequível o orçamento revisto tal como ele está”, frisa.

As declarações do analista surgem na semana em que o Financial Times noticiou que a China tinha chegado a um acordo com metade dos 20 países que pediram um adiamento dos pagamentos da dívida ao abrigo da Iniciativa para a Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), embora sem especificar quais são os estados abrangidos.

“Angola recebeu cerca de um terço de todos os empréstimos chineses a África, e é o que tem, de longe, mais a ganhar com a DSSI, já que cerca de 2,6 mil milhões de dólares de pagamentos este ano poderiam ser congelados, representando 3,1 por cento do PIB, segundo o Banco Mundial”, lê-se no artigo do Financial Times.

Para Carlos Rosado Carvalho, “se não houver acordo com a China o Governo terá de fazer um orçamento novo e com cortes muito violentos sobre a despesa”.

Angola, continuou, “não tem acesso aos mercados, portanto o financiamento chinês é fundamental para Angola, de outra maneira é muito complicado porque não há acesso aos mercados”, assinala.

Questionado sobre se ainda há margem de manobra para cortes no orçamento, o economista diz que no orçamento em vigor não foram feitos grandes cortes, e argumenta que a redução da despesa do Estado implicaria “cortes a doer” em áreas como os investimentos e os serviços.

“A margem de manobra não é grande, os salários são uma despesa fixa, e seria seguramente ao nível do investimento. Poderia haver um corte maior também a nível dos bens e serviços, excetuando talvez os gastos com a saúde, mas seria por aí”, aponta.

Na semana passada, a agência de notação financeira Fitch Ratings considera que Angola seria o país mais beneficiado com uma possível extensão da DSSI do G20, podendo ‘poupar’ 4,3 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) só este ano.

“De acordo com os dados dos pagamentos devidos, publicados pelo Banco Mundial, só cinco dos 22 países que a Fitch avalia e que são elegíveis para participar na DSSI, veriam os requisitos de financiamento para este ano reduzidos em mais de 1 por cento, sendo o benefício para Angola, com 4,3 por cento, o mais elevado, de longe”, lê-se num relatório sobre o impacto da adesão dos países mais vulneráveis à iniciativa do G20.

A DSSI é uma iniciativa do G20 com o apoio do Banco Mundial e do FMI que prevê uma moratória sobre os pagamentos de dívida das nações mais frágeis, que assim poderia canalizar estas verbas para combater mais eficazmente a propagação da pandemia da covid-19.

“Uma extensão da DSSI do G20 para os países dos mercados emergentes é provável, possivelmente na reunião de novembro, o que amplificaria os benefícios desta iniciativa”, escrevem os analistas da Fitch Ratings, detida pelos mesmos donos da consultora Fitch Solutions.

Até agora, foram mais de 40 os países, incluindo os lusófonos Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola, que pediram para participar nesta iniciativa, que não abarca a dívida a credores privados, que teria de ser tratada separadamente.

“O G20 encorajou os investidores do setor privado para darem alívio de dívida em linhas similares às do alívio providenciado ao abrigo da DSSI, mas isto não é um requisito para a participação”, nota a Fitch, acrescentando que “até agora nenhum dos países que participam na DSSI disse publicamente que iria tentar ter um tratamento similar dos credores privados, o que reflete, em parte, as preocupações sobre o acesso aos mercados financeiros”.

À exceção da Moody’s, as outras duas principais agências de notação financeira consideram que a participação na iniciativa não implica necessariamente uma descida do ‘rating’, mas a Moody’s argumenta que a participação implica um enfraquecimento da posição financeira e, por conseguinte, uma descida no ‘rating’.

No relatório de revisão do ‘rating’, no início de agosto, a Standard & Poor’s calculou que Angola deve cerca de 21 mil milhões de dólares à China, pelo que uma reestruturação desta dívida seria uma ajuda significativa face aos quase 20 mil milhões de dólares de pagamentos de dívida que o país tem de fazer entre 2020 e 2022.

Além da China, Angola procura também aumentar o valor da ajuda financeira dada pelo Fundo Monetário Internacional, acrescentando 730 milhões de dólares aos 3,7 mil milhões de dólares já acordados no final de 2018.

Do ponto de vista da consultora Eurasia, as relações entre o FMI e Angola são “muitos estáveis na Presidência de João Lourenço, que encara o programa de ajuda financeira como o caminho mais sustentável para conseguir sustentar o crescimento e as reformas económicas”.

O Governo quer evitar a reestruturação dos Eurobonds, “já que terá um efeito particularmente negativo na opinião da qualidade do crédito soberano o que, por sua vez, teria um efeito fragilizador no setor bancário”, continua o analista, vincando que “não será necessário reestruturar os títulos de dívida por agora, mas isso continua a ser uma opção se os riscos descendentes se materializarem”.

De acordo com as contas da consultora Eurasia, Angola deve cerca de 22 mil milhões de dólares à China em empréstimos de dois grandes bancos: o Banco de Exportações e Importações da China (Exim Bank) e o Banco de Desenvolvimento da China (BDC), além do banco comercial ICBC, havendo notícias de que as negociações com o BDC estão avançadas, ao contrário das negociações com o Exim Bank.

A parceria estratégica entre os dois países não está em causa, considera o analista na nota enviada aos clientes, mas os contornos das negociações terão importantes consequências para ambos os países.

No relatório assinado pelo analista Darias Jonker, lê-se ainda que “a transparência sobre estes acordos, que ainda continuam por revelar, representa um precedente importante para futuros acordos ao abrigo da DSSI [Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida], já que até agora a contribuição da China neste âmbito foi limitada a empréstimos sem juros a países em desenvolvimento, e quando houver mais clareza relativamente à reestruturação da dívida angolana, a aprovação do FMI deverá ser rápida”.

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