Os protestos em Minsk vistos por uma tradutora

por Filipa Rodrigues
Yen Yen Lei

As recentes eleições presenciais na Bielorrússia (9 de agosto) acabaram por gerar de imediato um forte movimento de contestação social e político ao poder do presidente reeleito Aleksandr Lukashenko. O PLATAFORMA falou com uma jovem bielorrussa que passou o último ano a estudar numa universidade da Província de Zhejeing, China, ao abrigo de um programa de línguas para tradutores. As recentes manifestações alteraram a perceção do papel da mulher atual na sociedade bielorrussa, diz. Elas não são mais “máquinas de fazer bebés”, mas sim líderes importantes deste movimento. 

Olga Golubko regressou há pouco tempo à Bielorrússia após ter completado um ano de curso de tradução russo-chinês. Para a jovem tradutora, as recentes eleições presidenciais estiveram cheias de injustiças.

“Em maio inscrevi-me na comissão eleitoral local, mas fui rejeitada pelas autoridades. Entre muitos outros rejeitados havia também um aluno de Harvard. Os responsáveis justificaram essas recusas, invocando que os inscritos não tinham experiência suficiente para estar nas mesas eleitorais”, conta.

Para a tradutora, as autoridades bielorussas “não querem é que a população saiba o que se passa realmente no país”. 

“Este é um sistema em que a comissão eleitoral está diretamente envolvida na contagem de votos e garante o resultado que o Governo deseja. Aleksandr Lukashenko requer total controlo da situação”, assinala.

Olga, depois de ser impedida de participar diretamente na contagem de votos, acabou por se juntar a uma organização não-governamental que tem feito apelos para uma recontagem independente dos sufrágios, de forma a garantir que as eleições são conduzidas de forma imparcial. 

Foi também uma entre milhares que participou, de imediato, nos protestos que se seguiram ao ato eleitoral. A jovem bielorrussa reside perto do local onde decorreram as manifestações, sendo por isso uma observadora privilegiada.

”Os manifestantes foram atacados e atingidos com balas de borracha. Muitos eram civis que queriam participar numa manifestação pacífica”, disse, salientando nunca ter visto as forças policiais tratarem civis de forma tão violenta.

Logo na noite de eleições, Olga recorda que a situação pareceu-lhe tão grave que decidiu ajudar manifestantes em dificuldades, tendo inclusive acolhido um em casa. Mas, como o edifício é acessível a qualquer pessoa e temendo que entre os que precisavam de ajuda poderia estar algum polícia infiltrado, optou por deixar produtos de primeiros-socorros junto à porta do prédio para quem precisasse. “A multidão estava revoltada, sentíamos que nos tinham roubado as eleições”, aponta.

Para a tradutora, estas manifestações provaram o quanto o governo subestimou o poder das mulheres, que não só participaram nos protestos, como lideraram esse movimento. Embora este antigo estado soviético possua uma postura em que trata as mulheres como “donas de casa e máquinas de produção de bebés”, Olga assinala que estas foram a base do desenvolvimento económico do país durante os anos 90, mas esse contributo “nunca foi reconhecido”. E acrescenta: “O poder das mulheres está presente em todas as partes deste movimento. A imagem da corrente humana de mulheres com flores na mão já viajou pelo mundo”.

“Nunca ninguém poderia imaginar que o Telegram, um canal originalmente usado para vender roupa em segunda mão, se tornasse na principal via de partilha de informação para este movimento”, assinala.

Para estas presidenciais, todos os restantes três candidatos foram desqualificados. Dois estão presos e um exilado. 

No dia das eleições, Lukashenko, apelidado por setores da oposição e da comunidade internacional como o “último ditador da europa”, e presidente há mais de 26 anos, foi reeleito com 80 por cento dos votos (a taxa de participação eleitoral cifrou-se nos 84,23 por cento). Durante os quatro dias de violentos protestos por todo o país entre manifestantes e forças da ordem foram detidas mais de 7.000 pessoas, outras 2.000 ficaram feridas e duas morreram. Yuri Karayev, ministro do Interior, veio pedir desculpa à população, e depois de anunciar que os detidos seriam gradualmente libertados, mais 220 mil pessoas voltaram a sair à rua em protesto no passado domingo. Aleksandr Lukashenko insistiu, repetidamente, que não iria organizar novas eleições, mas, entretanto já afirmou que irá devolver o poder à população após retificar a Constituição do país.

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