Há 50 anos uma mulher chegou pela primeira vez ao governo

por Filipe Sousa
Susete Francisco

Maria Teresa Lobo abriu o caminho há meio século atrás. Desde então a paridade fez um longo caminho, mas há dois bastiões do poder executivo que, em 46 anos, nunca saíram de mãos masculinas: a Defesa e a Economia.

A nomeação era tão estranha ao tempo que nem a linguagem se adaptou: Maria Teresa Lobo assumiu o alto cargo de “subsecretário da Saúde e Assistência”, assim mesmo, sem declinação no feminino. Há 50 anos, a 21 de agosto de 1970, Maria Teresa Lobo, então com 41 anos, assumia a pasta no primeiro executivo de Marcello Caetano, a estreia absoluta de uma mulher num cargo governativo em Portugal.

Foram três anos, apenas um passo na vida de uma mulher que teve um trajeto incomum, que atravessa quatro continentes, que vai de professora em Macau a consultora em Moçambique, de subsecretária de Estado em Portugal a juíza federal no Rio de Janeiro. Uma intransigente “servidora dos interesses do Estado” independentemente do chão que pisava – é assim que a lembra o sobrinho, João Lobo-Ferreira.

Maria Teresa de Almeida Rosa Cárcomo Lobo nasceu em Malanje, Angola, a 18 de fevereiro de 1929. O pai, de ascendência goesa, era juiz, a mãe professora de Francês no liceu. A questão dos direitos das mulheres, no seio da família, não era sequer assunto – com a mesma naturalidade com que os dois filhos se formaram, as três filhas fizeram o mesmo, duas advogadas, uma engenheira agrónoma. Ao tempo, uma mulher que quisesse sair do país tinha de ter autorização do marido e as mulheres da família não escapavam à lei: “Mas isso era uma questão institucional. Dentro da família essa questão nunca existiu”, conta ao DN João Lobo-Ferreira.

Maria Teresa forma-se em Direito na Faculdade de Direito de Lisboa com uma bolsa do Instituto de Assistência Social de Angola, terminando o curso (durante o qual foi aluna de Marcello Caetano) com 16 valores. Depois, foi notária e professora de liceu em Macau. Foi chefe do Gabinete de Estudos Económicos e Financeiros do Banco Nacional Ultramarino em Moçambique, cargo que deixou para assumir funções executivas no governo de Marcello Caetano. O sobrinho conta que foi Baltazar Rebelo de Sousa – o pai do atual Presidente da República – que “a trouxe para a política”, e que era, aliás, o titular do ministério em causa. Maria Teresa Lobo passou três anos como subsecretária de Estado, até julho de 1973. Depois foi deputada à Assembleia Nacional na XI legislatura (1973-74) pelo círculo do Estado da Índia Portuguesa.

Após o 25 de Abril de 1974 muda-se para o Brasil com os três filhos. Não foi por zanga, garante o sobrinho, nem por desconforto com o regime democrático. Mas o lema de Maria Teresa era que o caminho se fazia sempre para a frente e não a discutir o passado. No Brasil torna-se gestora de empresas, dirige a Federação das Associações Portuguesas e Luso-Brasileiras, e começa a exercer como advogada. Aos 58 anos chega a juíza federal do estado do Rio de Janeiro. “A defesa dos direitos das mulheres e a defesa dos interesses do Estado faziam parte do seu desígnio de vida”, diz João Lobo-Ferreira. Aposentada em 1999, continuou o trabalho académico, com destaque para a área do direito comunitário.

Maria Teresa Lobo faleceu em dezembro de 2018. “Era uma pessoa absolutamente jovial, ria, cantava, contava anedotas”, lembra o sobrinho: “É como se fosse uma árvore sólida numa dessas praças tão portuguesas que há pelo mundo, que estende as suas raízes para espalhar o que temos de melhor. É assim que eu a vejo.”

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