Não basta existir

por Fernanda Mira
Fernanda Mira*

Não raras vezes, em momentos mais angustiantes, atravessa-nos o pensamento: “quem sou eu? de onde venho? para onde vou?”. Perguntas meramente retóricas, especialmente as duas primeiras, até porque nos basta olhar para um pequeno cartão que todos temos na carteira– em Portugal leva o nome de Cartão de Cidadão, mas que pode levar outras denominações, entre elas a mais comum Bilhete de Identidade – para que estas ‘dúvidas’ sejam dissipadas.

É este pequeno cartão que nos afiança o nome, a ascendência, o lugar onde nascemos, o país a que pertencemos. Poucas vezes pecebemos a verdadeira dimensão da sua importância, de tal forma damos por garantida a nossa existência.

Mas não é bem assim. Não basta existir para… existir.

Como assim? Então como pode uma pessoa não existir, existindo?

Pode. Há milhões de pessoas no mundo que não existem. Segundo os últimos dados disponibilizados pela Unicef, há 166 milhões de crianças, com menos de cinco anos, que não foram oficialmente registadas. São 166 milhões de crianças “invisíveis” – assim mesmo lhe chama a Unicef. Estas crianças, pura e simplesmente, não existem aos olhos dos governos ou da lei. Sem prova de identidade são excluídas do acesso à educação, cuidados médicos e outras regalias ou serviços prestados pelos Estados.

Como pode alguém enfrentar, reclamar, exigir se, pura e simplesmente, não existe?

Numa tentativa de conferir a verdadeira dimensão do que aqui vos falo, assinalo: na Guiné-Bissau apenas 24 por cento das crianças são registadas! Uma das taxas mais baixas do mundo.

Deixo-vos a transcrição do Artigo 7º da Convenção dos Direitos da Criança (adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989):

  1. A criança é registada imediatamente após o nascimento e tem desde o nascimento o direito a um nome, o direito a adquirir uma nacionalidade e, sempre que possível, o direito de conhecer os seus pais e de ser educada por eles.
  2. Os Estados Partes garantem a realização destes direitos de harmonia com a legislação nacional e as obrigações decorrentes dos instrumentos jurídicos internacionais relevantes neste domínio, nomeadamente nos casos em que, de outro modo, a criança ficasse apátrida.

Este é um verdadeiro combustível para a exploração e abusos de toda a espécie.

Como pode alguém enfrentar, reclamar, exigir se, pura e simplesmente, não existe?

*Editora do canal português do Plataforma

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