Governo português lacónico sobre acordos de extradição com Macau e Hong Kong

por Filipa Rodrigues
Hélder Beja

O Executivo português é evasivo quanto ao princípio de acordo de extradição com Macau, e não responde a questões sobre a atual situação em Hong Kong e o tratado de extradição vigente. A Ordem dos Advogados considera necessária uma “avaliação sobre as consequências” da nova lei da segurança nacional no âmbito da extradição para Hong Kong e o Partido Iniciativa Liberal pede a “suspensão imediata do acordo de extradição” com aquela região

O Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Justiça de Portugal são lacónicos quanto ao princípio de acordo de extradição assinado em 2019 com Macau e escusam-se a responder a qualquer questão relativa à atual situação em Hong Kong, região com a qual existe um acordo de extradição em vigor desde 2004.

Sobre o acordo assinado entre Portugal e a RAEM no ano passado, o Ministérios da Justiça refere em resposta por escrito ao PLATAFORMA que “a Direção-Geral de Política de Justiça participou, em 2018 e 2019,  juntamente com a Procuradoria-Geral da República, na negociação e redação com as autoridades macaenses de um ‘acordo de entrega de infratores em fuga’ ” e que “neste momento, após a assinatura do mesmo, o processo encontra-se em fase de tramitação habitual de qualquer acordo internacional, atendendo à necessidade da aprovação pela Assembleia da República e Presidência da República, não sendo possível antecipar o calendário concreto”. Face a todas as demais questões sobre os acordos com Macau e Hong Kong colocadas pelo PLATAFORMA, Miguel Romão, diretor-geral da Direção-Geral de Política de Justiça, considera que “extravasam o âmbito de atuação desta direção-geral, podendo sugerir-se a consulta ao Ministério dos Negócios Estrangeiros”.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros, por sua vez, responde a uma extensa lista de perguntas do PLATAFORMA sobre os acordos com as jurisdições de Macau e Hong Kong com uma única frase: “O acordo em referência [com Macau], assinado em maio de 2019, ainda aguarda o desenvolvimento do respetivo processo de promulgação, no quadro legal aplicável em Portugal”.

Lei da segurança nacional preocupa

Se a nova conjuntura em Hong Kong parece não preocupar o Executivo, o mesmo não acontece com advogados e deputados. O bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, Luís Menezes Leitão, considera que a nova lei da segurança nacional de Hong Kong, que entrou em vigor a 1 de Julho, “está a suscitar forte preocupação internacional, em virtude do seu artigo 38º, que prevê a possibilidade de perseguir criminalmente qualquer pessoa, seja ou não residente em Hong Kong por atos praticados fora do território, independentemente de serem ou não considerados crimes no lugar onde a pessoa se encontre”.

Luíz Menezes Leitão

Aos olhos da Ordem e de Menezes Leitão, essa disposição parece “muito questionável, uma vez que põe em causa o princípio da territorialidade da lei penal que, com algumas exceções, ainda constitui um princípio básico dos  diversos sistemas penais modernos”. “Compreendemos que esse tipo de normas leve a questionar as convenções de extradição, como alguns países estão a fazer. Portugal deverá, por isso, fazer igualmente uma avaliação sobre as consequências dessa disposição no âmbito da extradição para Hong Kong. O artigo 33º da nossa Constituição é muito rigoroso quanto à tutela dos direitos dos cidadãos no âmbito dos processos de extradição e os limites que estabelece têm que ser respeitados”, refere o causídico ao PLATAFORMA.

Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos da América, Reino Unido e Alemanha já suspenderam os acordos de extradição que tinham com Hong Kong, e França anunciou que não vai ratificar o documento para “entrega de infratores em fuga” assinado em 2017 com entre as autoridades gaulesas e a as da RAEHK. O deputado único da Iniciativa Liberal na Assembleia da República, João Cotrim Figueiredo, não tem dúvidas de que Portugal deveria seguir o mesmo caminho. A 4 de Agosto, fez chegar ao Parlamento um projeto de resolução que recomenda a suspensão imediata do acordo de extradição assinado em 2001 pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal Jaime Gama e pela secretária para a Segurança de Hong Kong Regina Ip e que entrou em vigor em 2004, depois de aprovado na Assembleia da República e promulgado pelo então Presidente da República Jorge Sampaio.

João Cotrim Figueiredo

“Com a aplicação desta nova lei [da segurança nacional] e com a extradição de pessoas suspeitas para a China, a independência judicial de Hong Kong deixa de existir. Portugal não pode aceitar tal atropelo democrático. Em Portugal não se julgam cidadãos por crimes de ‘convicção política’ ou ‘liberdade de pensamento’, duas áreas que podem ser definidas como crimes no quadro da nova lei de segurança nacional aplicada pela China a Hong Kong”, lê-se na resolução assinada por Cotrim Figueiredo. “Portugal não pode aceitar ser cúmplice de violações ao Estado de Direito, sobretudo quando os direitos dos cidadãos portugueses naquela região não estão devidamente salvaguardados ao abrigo da nova lei.”

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