Avançar rumo a um mundo livre de armas nucleares

por Filipa Rodrigues
António Guterres

Este mês marcou o 75º aniversário dos ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki, momento em que a humanidade se apercebeu da devastação que uma única bomba atómica consegue criar.

O sofrimento permanente causado aos sobreviventes, os hibakusha, deve servir de motivação diária para eliminarmos todas as armas nucleares. São histórias partilhadas para que o horror sentido em Hiroshima e Nagasaki não seja esquecido. Porém, a ameaça nuclear está a crescer uma vez mais.

Foi criada uma rede de acordos e instrumentos para prevenir o uso destas armas extraordinariamente destrutivas e eventualmente eliminá-las. No entanto, essa estrutura tem estado inativa há décadas e está a começar a desaparecer. O risco de que as armas sejam usadas – intencionalmente, acidentalmente ou como resultado de erro de cálculo – é perigosamente alto.

No seguimento das crescentes tensões internacionais e a erosão da confiança, laços entre países que possuem armas nucleares estão a transformar-se em confrontos perigosos e desestabilizadores. À medida que estes governos dependem cada vez mais de armas nucleares para a respetiva segurança, políticos começam a fazer uso de uma retórica sobre a possível utilização e a dedicar grandes montantes para melhorar a letalidade, dinheiro que poderia ser gasto num desenvolvimento pacífico e sustentável.

Durante décadas, testes nucleares levaram a horríveis consequências humanas e ambientais. Este vestígio de uma era passada deve ficar relegado ao passado. Apenas um vínculo legal, uma proibição atestada em todos os tipos de testes nucleares poderá dar essa garantia. O Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares tem provado o respetivo valor, porém, alguns estados continuam sem o assinar ou retificar, impedindo que este cumpra o pleno potencial como elemento essencial da estrutura de eliminação de armas nucleares. 

Juntamente com as alterações climáticas, as armas nucleares representam uma ameaça às nossas sociedades. Grande parte das cerca de 13 mil armas nucleares atualmente em arsenais globais são mais destrutivas do que as bombas largadas em Hiroshima e Nagasaki. Qualquer uso das mesmas irá causar um desastre humanitário com proporções impensáveis.

Está na altura de voltarmos ao consenso de que não deve ser travada uma guerra nuclear, e de que esta nunca trará uma vitória. Ao entendimento comum de que devemos trabalhar para construir um mundo livre de armas nucleares, voltando a assumir um espírito de cooperação como o que possibilitou o progresso histórico para a eliminação.

Os Estados Unidos e a Federação Russa, como detentores de mais de 90 por cento de todas as armas nucleares, devem liderar este caminho. O novo Tratado START possui limites controláveis.

A respetiva extensão por 5 anos conseguiria ganhar tempo suficiente para negociar novos acordos, incluindo a possibilidade de incluir outros países que possuem armas nucleares.

No próximo ano, as Nações Unidas irão acolher a Conferência de Revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), um dos acordos de segurança nacional com mais sucesso.

Este contém os únicos compromissos com base num tratado assumidos pelos maiores cinco países detentores de armas nucleares, e impõe aos mesmos obrigações comprováveis para a não aquisição e desenvolvimento de armas nucleares. A participação quase universal no TNP significa que a grande maioria da comunidade internacional está presa a estes compromissos. A conferência de revisão do TNP é uma oportunidade de resolver a erosão da ordem nuclear internacional.

Felizmente, grande parte dos estados-membros da ONU continuam empenhados em atingir o objetivo de um mundo livre de armas nucleares. Esta vontade é refletida nos 122 países que apoiaram a adoção do Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares. Estes compreendem que as consequências do uso de qualquer arma nuclear seriam catastróficas.

Não podemos arriscar criar outra situação como Hiroshima ou Nagasaki ou algo ainda pior. Ao refletirmos sobre o sofrimento dos hibakusha, devemos ver esta tragédia como um apelo mobilizador para a humanidade e voltar a lutar por um mundo livre de armas nucleares.

*O autor é Secretário-Geral das Nações Unidas.

A opinião partilhada neste artigo não reflete necessariamente a do China Daily. 

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