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Está tudo bem, é apenas uma multa

Ricardo Oliveira Duarte*

O ministro da Cidadania do Brasil aceitou pagar uma multa para que não tenha de responder na Justiça pelo facto de ter recebido indevidamente dinheiro, 300 mil reais, durante duas campanhas eleitorais.

Em 2017 o então deputado federal da chamada “bancada da bala” Onyx Leronzoni admitiu publicamente que tinha recebido da JBS, empresa de carnes, dinheiro de “caixa dois”, ou “saco azul”, ou seja, dinheiro não contabilizado ou declarado à Justiça Eleitoral. Aos jornalistas, Lorenzoni referiu que os 100 mil reais tinham sido utilizados para pagar despesas da campanha de 2014. Não consta que tenha sido a consciência pesada a levar à assunção do facto, antes uma lista com os nomes dos políticos a quem a JBS tinha pagado nas eleições de 2014, entregue por executivos da J&F, holding que controla a JBS, no âmbito de um acordo de delação premiada. O nome de Lorenzoni estava lá e o antigo diretor de relações institucionais da empresa detalhou que o deputado do Rio Grande do Sul recebeu em espécie 200 mil reais (Lorenzoni disse que foram “apenas” 100 mil), entregues pelo presidente da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne). Em sua defesa, o então deputado afirmou que não sabia que o dinheiro era proveniente da JBS e que só ficou a saber quando a delação se tornou pública.

O que, na altura, Onyx Lorenzoni não contou foi que não foi apenas em 2014 que ele e os reais da JBS se cruzaram, e que nem tinha sido essa a primeira vez. Já em 2012, contou a Folha de S. Paulo, mesmo não sendo candidato a nada, apenas enquanto líder do DEM (Democratas) no Rio Gande do Sul, ele recebeu 100 mil reais. O valor não aparece nos registos entregues pelo partido ao Tribunal Superior Eleitoral, aliás, não há qualquer registo de apoio da JBS ou da J&F ao DEM do Rio Grande do Sul em 2012.

O acordo revelado esta segunda-feira (03 de Agosto) confirma não só o valor, 300 mil reais, como os dois pagamentos. Para além de lançar luz sobre isso, valor e quantidade de pagamentos, o acordo de não persecução penal é histórico pois é o primeiro celebrado com a PGR (Procuradoria Geral da Republica) no âmbito da Lei Anticrime, aprovada em 2019. Com esta lei é possível chegar a um acordo quando em causa estão crimes não violentos e enquadrados por penas inferiores a quatro anos. O criminoso admite a culpa, paga uma multa e o processo é arquivado. Onyx Lorenzoni vai pagar 189 mil reais, nove vezes o salário líquido do ministro, que é de 21 mil reais. Fica agora a faltar homologação do STF (Supremo Tribunal Federal), que vai analisar se foram cumpridos os requisitos legais.

A delação onde estava o nome de Lorenzoni, e de mais 35 políticos entre eles o ex-presidente Michel Temer, aconteceu em Maio de 2017, desde Agosto de 2018 o caso do ministro da Cidadania passou pelo STF, PGR e Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul. Se o STF validar o acordo o caso será arquivado.

Em 2016, um ano antes de admitir que tinha recebido dinheiro, Onyx Lorenzoni partilhou um vídeo nas redes sociais no qual defende a criminalização de “caixa dois” e que ele deveria dar prisão. Apoiando as “dez medidas contra a corrupção” pensadas pelo Ministério Público Federal o então deputado estadual disse que: “Não tem mais desculpinha. Caixa 2 será crime no Brasil. A pena será de dois a cinco anos de reclusão.”

Relativamente à lei que permitiu o acordo agora anunciado, e do qual resulta o arquivamento do caso contra o agora ministro da Cidadania, ela foi aprovada quando o ministro da Justiça era Sergio Moro, neste governo de Jair Bolsonaro.

Enquanto juiz, Moro sempre foi bastante duro relativamente ao “caixa dois”, defendendo, em 2016, que “Caixa dois muitas vezes é visto como um ilícito menor, mas é trapaça numa eleição. A meu ver, não existe uma justificativa ética para esse tipo de conduta”. Mas em 2018, depois de se saber que tinha aceitado o cargo de futuro ministro da Justiça, ao ser questionado se não o constrangia ir pertencer a um governo onde estava também Onyx Lorenzoni, que tinha admitido ter recebido dinheiro de “caixa dois”, Moro respondeu: ele já admitiu e pediu desculpas.”

Em 2019, já como ministro, a criminalização do “caixa dois” foi deixada num texto separado do pacote de medidas para combater crimes e corrupção, o chamado Pacote Anticrime. Nessa altura Sergio Moro justificou assim a separação: “Houve uma reclamação por parte de alguns agentes políticos de que caixa 2 é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, que crime organizado e crimes violentos. Então nós acabamos optando por colocar a criminalização [de caixa 2] num projeto a parte”.

Portanto: o atual ministro da Cidadania do Brasil recebeu dinheiro de forma ilícita – “caixa dois” -, duas vezes, tendo omitido até hoje uma delas, mas, beneficiando de uma lei aprovada no mandato do ministro da Justiça Sergio Moro – que considerava “caixa dois” uma prática gravíssima, mas enquanto ministro já não considerava assim tão grave ao ponto de permitir que desde que o criminoso assumisse a culpa o caso pudesse ser arquivado – pagou uma multa de pouco mais de metade do que recebeu. Isto acontece no governo de Jair Messias Bolsonaro, o homem que foi eleito assumindo como uma das principais bandeiras eleitorais a luta contra a corrupção. Sendo que Lorenzoni já tinha admitido ter recebido dinheiro de “caixa dois” antes de ser convidado para ser ministro da Casa Civil de Bolsonaro, o primeiro cargo que ocupou. O ministro, Lorenzoni, caso o STF homologue o acordo, vai pagar a multa e continuar a ser ministro. Da Cidadania…

Se não fosse uma tragédia, com um preço futuro que ninguém sabe muito bem qual será, poderia até ser motivo para um sorriso.

*Jornalista

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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