As surpresas do Brasil

por Guilherme Rego
Guilherme Rego*

Ao contrário do que se pensava, a proibição de operações policiais nas favelas do Brasil não aumentou o crime violento no Rio de Janeiro.

Analisando os dados disponíveis até se pode afirmar que houve um decréscimo da criminalidade. A análise consta no estudo “Operações policiais e ocorrências criminais: Por um debate público qualificado”, do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI) da Universidade Federal Fluminense (UFF), divulgado nesta segunda-feira. O número de mortes decorrentes de incursões nas comunidades caiu 70%, os crimes contra a vida diminuíram (48%) e também contra o património (40%).

Ao que parece, as ocorrências criminais aumentam consoante o número de operações policiais. Embora a polícia esteja contra a decisão de Fachin – juiz do Supremo Tribunal Federal – alegando que a proibição das operações desmantelam grande parte do trabalho realizado no combate ao crime organizado, os tempos de pandemia revelam que estas “parecem contribuir para o seu incremento”, tal como aponta Daniel Hirata, pesquisador do GENI.

Também se pode debater o facto da pandemia ter vindo a diminuir a atividade criminal por si só, pelo receio que a doença mortal traz. Mas, entre as vidas poupadas, estão também as dos agentes da autoridade, que costumam ser vítimas dos confrontos nas favelas do Rio.

O Governo tem de ter uma participação ativa, inclusiva e de apoio aos moradores das favelas, de modo a desincentivar o crime

Ao mesmo tempo, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social diz que esta decisão de Fachin permitiu testemunhar uma outra perspetiva: o menor número de homicídios desde 1991 e de roubo de veículos desde 1998.

Mesmo assim, as investigações criminosas são intermináveis e retratam o quadro negro da sociedade: 675 inquéritos policiais de associação ou organização criminosa; 4.137 de violações; 830 de extorsão; 5.522 de homicídio qualificado; 3.452 de roubos; 2.200 de tráfico de drogas e associação para o tráfico; 9.762 de crimes relacionados à violência doméstica.

A decisão está neste preciso momento nas mãos do STF. Já são três votos dos 11 a favor da suspenção das operações policiais nas favelas. Mas esta decisão é uma gota de água num oceano de problemas sociais com proporções gigantes e crónicas no Brasil.

Segundo um relatório da Polícia Civil, o Rio tem cerca de 56.600 criminosos em liberdade, portadores de armas de fogo de alto calibre. Mais do que todo o efetivo da Polícia Militar, que tem 44 mil profissionais, sendo que apenas 22 mil trabalham na atividade de patrulha e operações de combate à violência.

A decisão tem de considerar todos estes fatores e se calhar compreender que a criminalidade nas favelas do Rio faz parte de um problema bem maior. A solução não está num incremento das operações policiais, porque essas decorrem há largos anos e continuam a fazer correr muita tinta. Há uma necessidade grande de reforma do sistema. O Governo tem de ter uma participação ativa, inclusiva e de apoio aos moradores das favelas, de modo a desincentivar o crime, que na realidade é um refúgio da pobreza que estas comunidades vivem no seu dia-a-dia.

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