Relatório aponta carências e dificuldades no combate à doença em Timor-Leste

por Guilherme Rego

O combate à covid-19 em Timor-Leste teve êxito pelo empenho dos operacionais envolvidos, apesar de graves problemas de falta de liderança, de carências de meios e de constrangimentos políticos e financeiros na compra de material necessário.

A conclusão é do relatório de análise da aplicação durante três meses do estado de emergência no país devido à pandemia da covid-19, a que a Lusa teve acesso e que vai ser hoje debatido no Parlamento Nacional com a presença do primeiro-ministro e de vários membros do Governo.

Intitulado “A grande estratégia de combate ao SARS-CoV-2 em Timor-Leste”, o extenso documento, a que a Lusa teve acesso, reconhece que a pandemia “colocou enormes desafios em todas as áreas da sociedade timorense, em particular ao nível dos órgãos de soberania”.

O texto foi preparado pelo Estado-Maior Coordenador da Sala de Situação do Centro Integrado de Gestão de Crise (CIGC), a estrutura que coordenou a resposta das autoridades timorenses à pandemia, e que se extinguiu com o fim do estado de emergência.

Identifica “um conjunto alargado de constrangimentos, nomeadamente ao nível da liderança”, sendo “patente a falta de capacidade de decisão da parte do Ministério da Saúde, especialmente nos aspetos relacionados com as propostas para aquisição de recursos”.

Um “deficiente funcionamento, com pouca objetividade, muito dependentes das vontades políticas e não da vontade dos profissionais” e com uma “forte rivalidade de interesses individuais e partidários que consequentemente, estagnaram todo o processo de decisão”.

No que toca a recursos, e além da “dependência face ao mercado externo”, identifica ainda “constrangimentos em resultado dos compromissos do Ministério da Saúde com a Menzeis School” – que apoiou o Laboratório Nacional – e que “criou uma rede de dependência junto do Ministério para providenciar quer os reagentes laboratoriais, quer os técnicos especializados que não transferem experiência nem conhecimento”.

Uma proposta de compra de equipamentos à Coreia do Sul, por exemplo, nunca chegou a ter decisão posterior com o processo a “estagnar” no Ministério da Saúde “por falta de vontade e decisão apropriada”, com várias outras propostas por concretizar.

O relatório detalha as várias medidas adotadas na sequência da deteção, a 21 de março, do primeiro caso da doença em Timor-Leste, e que se prolongaram durante os três meses de estado de emergência, que terminaram a 26 de junho.

O texto lista um conjunto de problemas que se mantêm, incluindo a falta de infraestruturas, equipamentos e medicamentos necessários “para responder às necessidades de combate à doença”.

“Para o caso particular do processo de tratamento dos casos de infeção em Timor-Leste, inicialmente, não se registou nenhuma iniciativa nem existe alguma infraestrutura apropriada para ser utilizada para este fim”, considera.

“Mesmo para os profissionais de saúde e para o pessoal de segurança foi identificada a falta de equipamentos de proteção e de higiene pessoal para uso durante o processo de combate à covid-19, e a não existência de nenhum medicamento, nem desinfetante necessário para uso de prevenção”, considera.

Faltaram máscaras de proteção individual e ventiladores para apoiar eventuais casos graves com problemas respiratórios, nota ainda.

Ainda que tenha sido proposta a aquisição de recursos necessários, “por falta de decisão política atempada, não foram feitas as aquisições necessárias”.

A dificultar e até a inviabilizar, em alguns casos, a aquisição de meios materiais, estiveram “a falta do necessário enquadramento jurídico e uma clarificação política, a par de diferentes interpretações na aplicação do sistema financeiro”.

“A aplicação pelo Governo do normal sistema de gestão financeira, sobretudo no processo de aprovisionamento das infraestruturas, equipamentos e medicamentos necessários, foi identificada pela Sala de Situação do CIGC como a principal causa dos constrangimentos sentidos”.

“Situações excecionais exigem medidas excecionais, e não as normais e naturais regras de funcionamento de gestão financeira e de aquisição de bens e serviços. Os profissionais de saúde, os membros dos serviços de segurança e os militares das Forças Armadas, não podem estar dependentes da conclusão de um concurso per parte do Estado para que seja possível o acesso a equipamentos de proteção”, refere.

O relatório indica que as autoridades timorenses mobilizaram quase 24 mil pessoas, entre efetivos do Estado, militares e policias, no combate à pandemia, com o maior número (9.800) destacados em trabalho de apoio hospitalar, administrativo e logístico.

No CIGC estiveram 318 pessoas, nos centros de quarentena e isolamento 6.714, nas fronteiras e retaguarda municipal mais de 6.700 e no patrulhamento do espaço público cerca de 6.500.

De um total de 2.181 pessoas sujeitas a quarentena – até ao momento do relatório – foram identificados 24 casos positivos, dos quais três de “transmissão local”, com testes realizados a 552 suspeitos.

Dos 24 infetados isolados em Vera Cruz, “todos os doentes recuperaram da doença, não havendo a registar qualquer óbito em Timor-Leste”, recorda o texto.

Em termos financeiros, o relatório nota que o combate à pandemia contou com fundos governamentais e apoio de parceiros internacionais.

O relatório refere que do Fundo Especial aprovado pelo Governo foram utilizados 92 milhões de dólares (61,4%) do total, com gastos operacionais da Sala de Situação de mais de 340 mil dólares e custos operacionais com forças de segurança de 5,4 milhões de dólares.

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