As políticas deste país ainda não estão para “os bichos”

por Pedro Tadeu
Bebiana CunhaBebiana Cunha*
Bebiana Cunha

Na semana passada, num texto sobre políticas educativas, lembrava a importância fundamental da educação para o tratamento digno e para a proteção dos animais, a par de uma educação ambiental que permita a compreensão e a leitura do mundo. Quando o escrevi, na passada sexta-feira, não sabia ainda o que esse fim-de-semana nos ia trazer. Santo Tirso focou em si a atenção do país porque as autoridades legalmente competentes negaram a assistência aos animais que se tornaram vítimas dos incêndios, vítimas da resistência humana, política, policial e técnica, vítimas da resistência em aceitar a ajuda que ia por bem, vítimas da incapacidade de coordenar um teatro de operações. 

A estes animais, os responsáveis políticos e as autoridades legalmente competentes falharam-lhes. Cada um e cada uma tem as suas responsabilidades. Neste momento brincam, entre eles, ao jogo da cadeira, no qual ninguém quer ficar de pé. Neste momento praticam, entre eles, o jogo do empurra e sacodem a água do capote, porque assumir responsabilidades parece ser uma coisa difícil de fazer neste assunto. Parece que, também a esse nível, a educação está em falta. Ninguém quer ficar mal na fotografia do 18 de julho, mas dos que tinham responsabilidades, todos deram já um exemplo do pior que podemos ser enquanto seres humanos. 

É tempo de em Portugal termos uma Direção-Geral de Alimentação e Veterinária que ponha o bem-estar e a proteção animal à frente dos lobbies tauromáquicos e de todos os outros que só pensam em usar os animais para o lucro

No passado fim-de-semana, durante a noite de sábado, depois de várias tentativas para desbloquear o acesso aos animais, houve alguns pensamentos que, perante a barreira técnica, política e das autoridades, me iam perpassando: desde há 95 anos que em Portugal é obrigatório que cada município se dote de um ou mais canis municipais, sendo que em Portugal 73 municípios têm um canil municipal no ano que corre, outros tantos continuam a considerar que um canil deve ser partilhado entre vários municípios, isto para não falar nos que não têm um local digno para recolher e potenciar a adopção dos animais abandonados. Santo Tirso construiu um canil de raiz quando sabia da existência destes dois “abrigos”. Terá então estimado mal as necessidades ou esperava o falso milagre do abate dos animais abandonados? 

O Governo recusa-se a disponibilizar uma linha de financiamento para as autarquias adequadas às necessidades nesta matéria, e as autarquias recusam-se a dizer ao Governo que precisam de mais dinheiro para o tratamento digno dos animais. Veja-se aliás a audição da ANMP aquando das audições para o Orçamento do Estado 2020 e a resposta que a associação de municípios (não) deu ao PAN sobre este assunto, mesmo perante a Direção Geral das Autarquias Locais ter estimado as necessidades para abrigos em 32 milhões. As autarquias queixam-se que os processos de acesso à linha para políticas de esterilização são um obstáculo e a ministra da agricultura recusa-se a mudar isso. A ministra da agricultura é a mesma pessoa que considera que estamos muito bem ao nível da proteção animal, em Portugal. 

Em 2017, consagramos o estatuto jurídico dos animais, reconhecendo o que qualquer pessoa sensível sabia: os animais não são objetos, são seres sensíveis e sencientes. Mas foram tratados, nas decisões de quem tinha o poder para decidir diferente, como se de objetos se tratassem. Não foram tratados de forma diferente dos arames, das vedações, do lixo que ardeu nos abrigos.

Naquela noite as vítimas foram os animais, mas quem lá esteve guardará consigo todos os momentos e não esquecerá os cheiros, as imagens, a revolta, a frustração. Todos os que os tentaram salvar os animais foram impedidos. E mesmo que alguns animais tenham sido salvos, graças aos heróis e heroínas que não desistiram deles, importa relembrar o seguinte: estes animais, não estavam registados eletronicamente e por isso nunca saberemos dizer quantos estavam lá dentro (dará jeito a alguns). Estes animais foram os mesmos que nunca tiveram a oportunidade de ser divulgados para adopção e podem bem simbolizar tantos outros que, em Portugal, são negligenciados e maltratados diariamente. 

É tempo de em Portugal termos uma Direção-Geral de Alimentação e Veterinária que ponha o bem-estar e a proteção animal à frente dos lobbies tauromáquicos e de todos os outros que só pensam em usar os animais para o lucro, mesmo que isso implique sofrimento e ilegalidade. 

Já lá vão 60 anos desde que Miguel Torga nos presenteou com “os bichos”, mas o país continua a não ser para eles. Se o lermos e compreendermos, pode haver esperança!

*Deputada do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) – Portugal

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