The show must go on

por Pedro Tadeu
João MeloJoão Melo*

Sabem quem é o Kanye West? Eu já ouvira o nome (músico, actor?) mas realmente desconhecia-o. Talvez a idade me tenha feito perder o expresso das actualidades, há uma década sabia bem quem era o Trump. Nessa altura segui um reality show protagonizado por ele, “The Apprentice”, assistindo-o como se de um workshop de psicologia se tratasse. O narcisismo, os caprichos, a submissão ao lucro e ao mediatismo, o profundo horror ao falhanço, a rápida culpabilização do elo mais fraco, a total ausência de empatia, sobretudo com o falhado, quer fosse ou não o responsável, fascinava-me do tipo “isto existe, e eu não supunha”. 

Reparem nas impressões dessa época, elas são as mesmas do presente mandato, todos os traços distintivos estavam lá. Após uma figura se tornar familiar, o reconhecimento do potencial candidato fica garantido. Não foi o primeiro: Schwarzenegger governador da Califórnia, Marcelo Rebelo de Sousa presidente sem um único cartaz colado, Boris Johnson, campeão de acções mediáticas enquanto mayor de Londres, Obama, um cavalheiro bem parecido e bem falante, Bush filho do Bush pai, Clinton um aldrabão-simpático que dava uns toques no saxofone, Reagan actor, e por aí fora até ao primeiro debate televisivo onde Kennedy, um jovem galã, esposo da mulher perfeita, ganhou a um Nixon “pesado” que suava como um porco. Na maior potência mundial – e cada vez mais nos outros países – os cargos políticos ocupam-se pelo poder da imagem.   

No fundo sempre fomos governados através de propaganda, agora apenas há mais meios de anunciar

E o discurso? Obviamente importa, todavia se não vier colado a uma imagem forte não vinga. Trump presidente é o resultado empírico do Trump personagem de show biz, encontrando nas circunstâncias dos tempos actuais terreno fértil para medrar: aponta inimigos, não tem pudor na linguagem, publica nas redes sociais impressões sensoriais não necessariamente baseadas em factos, preza mais a acção e menos conversa, mais convicção e menos debate, slogans… Este é também o retrato da sociedade onde encaixou. No fundo sempre fomos governados através de propaganda, agora apenas há mais meios de anunciar. No entanto a quantidade de meios disponíveis distrai-nos, já ninguém digere discursos fastidiosos, portanto fast food de ideias deve ser a norma a seguir. Quem quiser bater o presidente nas próximas eleições terá de possuir suficiente exposição mediática e igual modo discursivo, sem densidade. Pouco interessa se vende melões, música, ideais, fala de Deus, fadas, Guerra das Estrelas, qualquer coisa serve desde que faça um bom “boneco” no ecrã e transmita sucintamente emoções “genuínas”. 

A indústria do entretenimento, especialista da imagem ligada a histórias, conjectura cenários que acabam por se realizar na vida real. Os criativos trabalham em guiões que alguém interpretará, os produtores investem quando percebem um potencial mercado. Quem controla esta indústria? Não sei, contudo nada nasce do nada: depois de o movimento “Black Lives Matter” fazer apontar os holofotes dos media para um novo palco, gerando a oportunidade de surgir um protagonista, aí está ele, instantaneamente apoiado pel’O magnata da nova era, Elon Musk. The show must go on que é como quem diz“tomem lá mais um espectáculo para continuarem entretidos”. Na verdade o assunto só me despertou a atenção por causa do curioso sincronismo, e porque afinal o presidente dos Estados Unidos interfere no quotidiano mundial, senão continuaria a ser-me indiferente saber quem é o Kanye West.

*Músico e Embaixador do Plataforma

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