A independência de África valeu a pena?

por Pedro Tadeu
Pedro TadeuPedro Tadeu*

O fim do eurocentrismo, o fim da ideia fixa, durante séculos, que formatou a cabeça política de uma infinidade de reis, rainhas, presidentes de repúblicas, primeiros-ministros e chanceleres, segundo a qual a Europa, mais exatamente o seu lado cristão e ocidental, dominavam e comandavam o mundo, terminou há 45 anos: Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe tornaram-se, em 1975, países independentes. O último império colonial em África governado por um país europeu, Portugal, desapareceu.

Nesses tempos de Guerra Fria, do planeta bipolarizado nascido após a II Guerra Mundial, o domínio pertencia, a oeste, aos Estados Unidos e, a leste, à União Soviética.

A Europa guarnecia essa divisão, simbolizada pelo muro que separava em duas a cidade de Berlim, com países, de um lado, apoiantes de Moscovo e países, do outro lado, a aceitarem servir os interesses estratégicos dos Estados Unidos da América.

França, Bélgica, Inglaterra, Espanha e Portugal ainda tentaram fazer perdurar a posse das suas colónias, em África e noutras paragens. Durante algum tempo conseguiram-no e durante algum tempo sonharam em recuperar a grandeza dos anos em que decidiam as fronteiras do mundo.

Angola e Moçambique, por exemplo, só adquiriram as atuais fronteiras há cerca de 100 anos, já o século XX estava bem avançado

De facto, foi durante a Conferência de Berlim, terminada em fevereiro de 1885, que a maioria das atuais fronteiras africanas acabaram por ficar definidas, numa divisão de quase todo o continente africano negociada entre, apenas, oito países europeus.

Angola e Moçambique, por exemplo, só adquiriram as atuais fronteiras há cerca de 100 anos, já o século XX estava bem avançado. Só nessa altura os portugueses cumpriram uma das condições da Conferência de Berlim – concretizar uma efetiva ocupação do terreno, militar e administrativamente – para terem direito a reclamar essas duas colónias e não serem obrigados a cedê-las a outros.

Nos anos 60 do século XX os europeus já não decidiam fronteiras em lugar algum do mundo  – nem América, nem URSS, nem os povos africanos ou asiáticos estavam para aturar isso.

Apenas 75 anos depois da Conferência de Berlim, as colónias em África dos europeus eram cedidas aos movimentos independentistas, seja por via negocial, seja após duros anos de guerra pela independência.

Em 1974, quando em Portugal a Revolução dos Cravos derruba a ditadura do Estado Novo, termina a guerra com os movimentos de libertação, abre-se o processo de descolonização e o último império europeu em África cai.

Sobraram, neste continente, os resquícios neocoloniais de alguns governos independentes, mas de minoria branca racista, que acabariam por cair pouco depois; sobrou uma África do Sul do apartheid, regime que Nelson Mandela só conseguirá derrubar em 1994; sucedem-se guerras pelo poder, sangrentas e fratricidas,.

Entretanto a Guerra Fria acabou, a União Soviética desapareceu.

Agora, a União Europeia fracassa na tentativa de recuperar a grandeza política e económica que lhe dava, há apenas um século, o domínio do planeta.

Agora, os Estados Unidos da América e a China discutem, num mundo interligado e globalizado, uma bizarra nova forma de bipolarizarem a política internacional e a economia do planeta.

Agora, África, embora politicamente independente, permanece na situação que a colonização perpetuou: é a zona mais pobre do mundo – a fome, a guerra, o terrorismo, a ecologia, a doença matam milhões e milhões.

As independências africanas estão ainda por completar, estão apenas nas primeiras etapas. Porquê? Porque nestas regiões – em particular na África subsariana – a uma independência política não correspondeu, na verdade, uma independência económica

Face a este panorama oiço frequentemente o paternalismo europeu e português sobre África perguntar: “se era para isto, valeu a pena conceder as independências?”

A pergunta é cínica e esconde um óbvio racismo branco. Mas tem resposta: na verdade, as independências africanas estão ainda por completar, estão apenas nas primeiras etapas. Porquê? Porque nestas regiões – em particular na África subsariana – a uma independência política não correspondeu, na verdade, uma independência económica.

Durante a Guerra Fria, a dependência africana dos europeus foi substituída pela dependência dos apoios dos Estados Unidos, da União Soviética, de países aliados das superpotências e das empresas multinacionais, capazes de explorar as matérias-primas mais valiosas destas paragens.

A seguir veio a globalização e a imposição de novas leis de comércio mundial.

Quando se parte, como aconteceu com o centro e o sul de África, para o mundo de economia global na última posição do desenvolvimento e com todo o tipo de instituições por criar ou por solidificar; quando só se tem para oferecer à competição do mercado mundial algumas matérias-primas e mão-de-obra não qualificada; quando se adotam políticas económicas pressionadas pelo exterior; quando os próprios regimes políticos ainda são débeis; quando tudo isto se junta… não é possível progredir, não é possível ter sucesso, não é possível desenvolver, não é possível ser, verdadeiramente, independente.

Neste contexto era inevitável que a antiga dependência europeia imposta aos africanos desde os tempos da escravatura acabasse por evoluir para uma nova dependência dos africanos imposta pelos novos senhores do mundo: dos monopólios transnacionais, das flutuações bolsistas, do FMI, do Banco Mundial, dos Estados Unidos e da China – e com alguns países europeus à boleia, a tentar apanhar as migalhas que caem deste comedouro.

A independência africana está, portanto, incompleta, mas a independência política valeu a pena, porque a independência total nunca se conseguiria alcançar sem, antes, se terminar essa primeira etapa.

Mas é difícil. Há 45 anos quem lutava pela independência – como os dirigentes das guerrilhas dos países de língua oficial portuguesa fizeram – tinha uma grande vantagem sobre os africanos de hoje: o inimigo estava bem identificado e podia disparar-se sobre ele… Era bastante mais simples.

*Jornalista

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