Verdadeira liberdade

por Guilherme Rego
João MeloJoão Melo*

Ando há anos a tentar entender a física quântica. Não é intuitiva e muitas das suas partes parecem absurdas. Na dualidade onda-partícula, por exemplo, as partículas comportam-se ora como partículas ora como ondas.

Será igual a afirmar que a água é simultaneamente seca e molhada. O próprio Einstein, um dos fundadores desta física, acreditava que estaria errada. Hoje estão estabelecidas várias correntes, nenhuma é conclusiva, no entanto todas partilham uma ideia em comum: pressupõem a existência de um “campo”. Nunca foi provado, contudo, quando considerado em equações, permite fazer previsões matemáticas incrivelmente correctas sobre o universo físico. Que campo é este, porque existe, quem o criou? Prefiro abster-me de considerações espirituais e a ciência não tem resposta, apenas constata que deve existir. Para a física quântica, tudo o que alguém pode pensar, tudo o que não pode pensar, tudo o que ninguém ainda pensou já existe sob a forma de onda no tal campo. Enquanto músico sinto isto visceralmente. 

Depois de me “sintonizar” (o silêncio ajuda bastante), consigo ligar-me às vibrações emanadas, filtro-as, modelo-as em função do meu limitado saber, permitindo-me brincar com a essência do universo: padrões de ondas oscilatórias. As criações vêm daí e quanto mais me dissocio do ego, preservando uma certa inocência, mais fluente é o contacto. O campo está acessível a todos, e até por respeito a mim mesmo ser-me-ia difícil levar-me a sério. Um artista que se leva a sério é um tolo, não criou o campo, na verdade desenvolveu uma habilidade particular de lhe aceder. Conectamo-nos estimulando a genuinidade, curiosidade, abertura ao mundo, sem receio de expor as nossas fraquezas, uma postura, diria, conforme as crianças, ainda em estado puro, ligadas. Eis o segredo do carisma.

Porque necessitamos de uma genuína abertura de espírito para chegar a esse “maná”, à medida que crescemos vamo-nos afastando dele; receando ser feridos pelas vicissitudes da vida, fechamo-nos. Desenvolvemos um medo bloqueador da nossa natureza, perdemos carisma, ficamos vulgares, e ao cortar a conexão com o campo impedimo-nos de sonhar, criar, de estarmos disponíveis para amar. Quem experimentou um amor puro sabe que é leve, liberta, dá asas. 

Cada vez estamos mais pesados. Somos apascentados, chipados, controlados em testes, condicionados nos gostos, tolhidos nos movimentos. Não é um acaso, serve o propósito de nos manipular, tornar-nos previsíveis, seja através de ciências, religiões, os media ou o entretenimento. A persistência do medo e do ruído activa o modo de sobrevivência. Os que sempre viveram neste sistema irão transmiti-lo aos filhos, perpetuando uma cadeia de indivíduos apartados do campo, fonte de criatividade e amor. Ninguém no mundo dito desenvolvido é escravo por necessidade económica, somos escravos porque nos desligámos da capacidade de brincar e criar, logo, de amar. 

Se creem num deus, amor é liberdade, se não creem num deus, liberdade é amor.

*Músico e Embaixador do Plataforma

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