Somos parte do problema e parte da solução, chef Hans Rasmussen

por Filipa Rodrigues
Guilherme Rego

Nesta edição do Plataforma Sabores, convidámos Hans Rasmussen, chefe executivo do restaurante do Instituto de Formação Turística (IFT), para dar a conhecer um pouco da sua história, da sua comida e da sua pessoa. 

Rasmussen reconhece em Macau grande parte da sua herança cultural. “Nasci em Macau em 1978. A minha mãe é chinesa e o pai dinamarquês. Ele costumava navegar pelos mares e oceanos ao redor desta zona”, conta.

No entanto, “em 1980 mudámo-nos para a Dinamarca. Apesar de nascer aqui, fui criado lá. Na minha opinião, a Dinamarca apresenta uma cultura gastronómica muito específica. Até mesmo para o panorama ocidental, foge um pouco à normalidade”.

“A cozinha chamou-me à atenção pelo seio familiar em que estava inserido. Apesar das tradições dinamarquesas, os nossos hábitos alimentares desviavam-se dessa rotina. A minha mãe não gostava da culinária ocidental, dinamarquesa. Claro que, para acomodar os gostos do meu pai (dinamarquês de origem), cozinhava-se de modo a satisfazê-lo, mas no geral, os pratos que confecionava eram influenciados na gastronomia portuguesa. Fazia-se bifanas, batata, muitos guisados e arroz. A minha paixão pela cozinha surgiu ao vê-la a fazer arroz, sem dúvida. Penso que somos das primeiras famílias dinamarquesas a comer arroz naquela quantidade. Era isso e noodles”, distingue.

Porém, apesar de gostar da cozinha dinamarquesa, tem alguma aversão a certos pratos. “O meu pai era muito repetitivo. Adorava comer fígado de vitela. Eu odeio fígado. Simplesmente não conseguia suportar aquilo. E tinha de ficar sentado na mesa até todos terminarem. Podia durar uma, duas horas, não interessava. Ias dormir sem comer. E ervilhas! Como ele adorava ervilhas, meu Deus!”, lembra.

O chef tenta levar a profissão para casa sempre que pode. “Cozinho em casa. Tento fazer isso pelo menos uma vez por semana, mas às vezes não consigo. Aprendi isso com o meu chefe antigo”. Mas não deixa de contar um episódio interessante sobre as diferenças nas duas culturas com mais peso na sua vida. “O problema aqui (Macau) é o espaço. As cozinhas são muito pequenas, com dois bicos de fogão. Tentas manobrar e aproveitar os limites da área que tens disponível. Talvez por me ter habituado às cozinhas na Dinamarca, especialmente à da minha casa, digo que cozinhar lá é mas divertido. Posso ter mais equipamento”. 

 Hans Rasmussen confessa que não tem um prato que considere especial ao paladar, optando por um gosto sazonal. “Eu não tenho um prato favorito. Posso dizer que os meus gostos variam consoante a época. Têm de ser frescos. Mas se tiver de escolher, gosto de um bom bife. Em Macau, por exemplo, na altura dos espargos brancos, em maio, gosto com ovas de peixe ou camarões pequenos. Junta-se um bom molho holandês… Excelente!”

Os desafios da cozinha são muitos. Hans relembra os que considera mais importantes para o bom funcionamento de um restaurante. “Desde o momento que chego, a primeira coisa que tenho de me lembrar é de picar o ponto. Temos regras muitas restritas acerca disso. Em segundo lugar, dizer bom dia a toda a gente e espero o mesmo de todos. Terceiro é ter a certeza de que a equipa chega a horas. Sou muito exigente, nasci num meio familiar que me incutiu esse modo de vida e depois reforcei essa , digamos, quando ingressei no ensino profissional. Onde estudei tinha um ano de estudo e os outros três anos de estágio, o que torna o curso muito prático. Comecei na base da cadeia profissional. Polia panelas, limpava a cozinha, etc. Se não fazias as coisas com minúcia, corrias o sério risco de ser mandado embora. Por isso exijo à minha equipa o mesmo rigor”, destaca.

Rasmussen admite não trabalhar ativamente com os estudantes do IFT, tendo uma pequena representação dos alunos na equipa técnica, mas dá um conselho a todos: “Sendo chef, tem de haver um estudo autodidata. Saber a diferença entre um burro e um cavalo, perdoem-me a expressão”.

Umas semanas após a comemoração do Dia da Gastronomia Sustentável, Hans descreve a situação macaense e lança um apelo aos mais jovens. “É um tema complicado. Diria que somos parte do problema e parte da solução. Em Macau, especificamente, pergunto: onde estão os jovens? Porque a sustentabilidade é uma responsabilidade que tem de ser transmitida a essa geração. Os chefs que estão a carregar o estandarte têm para cima de quarenta anos, como eu. Portanto, quem é que vai continuar este modelo de negócio? É um problema sério”, confessa.

Num momento mais relaxado da entrevista, Rasmussen dá-nos um vislumbre do seu futuro próximo, não associado à profissão. “Gastava de fazer um Iron Man (competição de resistência física que inclui normalmente corrida, natação e ciclismo) antes dos 45 anos. Quero fazer uma coisa completamente diferente do meu habitual. Vai ser muito interessante por causa das dietas e da especificidade na nutrição”, conclui.

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