“A próxima fase em Cabo Delgado é uma intervenção internacional via ONU”

por Rute Coelho
Rute Coelho

A Carta da Organização das Nações Unidas celebra hoje 75 anos. A ONU continua a ser importante para para dirimir conflitos. O mais grave no mundo lusófono é o de Cabo Delgado, em Moçambique. O professor Nuno Severiano Teixeira diz que se a escalada do conflito continuar, bem como a crise humanitária, será inevitável a intervenção internacional com mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas

O mundo está suspenso do que está a acontecer em Cabo Delgado, província no norte de Moçambique onde os ataques do terrorismo islâmico já fizeram mais de mil mortos e mais de 250 mil deslocados.

Os massacres na região podem bem vir a legitimar uma intervenção da ONU e já são muitas as vozes que a pedem.

Nuno Severiano Teixeira, ex-ministro da Administração Interna e da Defesa nos governos de António Guterres e José Sócrates, respetivamente, diretor do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), sublinha a “relevância” das Nações Unidas na resolução deste conflito que ameaça ultrapassar as fronteiras de Moçambique.

Se a escalada deste conflito continuar, bem como a crise humanitária, a próxima fase poderá ser uma intervenção internacional, de manutenção ou imposição da paz. Isso só será possível com uma resolução do Conselho de Segurança da ONU

Nuno Severiano Teixeira

Já Felipe Pathé Duarte, professor e investigador na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, e especialista em geopolítica e relações internacionais, vê a relevância da ONU neste conflito mais ao nível de “acautelar o potencial desastre humanitário na zona” uma vez que “vem crescendo o número de refugiados e deslocados”. São pelo menos 250 mil deslocados, segundo dados da Comunidade Islâmica de Moçambique.

Para bloquear a insurgência islâmica, o investigador Pathé Duarte vê como “mais plausível uma cooperação multilateral de âmbito regional”, lembrando que a África do Sul poderá vir a ajudar. O conflito “ameaça extravasar as fronteiras de Moçambique e por isso acredito na eficácia de uma força interregional, ao nível da África Austral. E Portugal, que já se ofereceu para ajudar, também tem um papel fundamental”.

O que sobressai, na sua opinião, “é a total incapacidade das Forças de Segurança e Defesa de Moçambique no terreno e que até asfixiam os media que lá estão”.

O secretário geral da ONU, António Guterres, que Nuno Severiano Teixeira conhece bem, “é um português e logo terá sensibilidade nesta matéria”, ou seja, na necessidade, no momento, de “uma intervenção mandatada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas”.

Mas a necessidade da intervenção internacional tem de ser conciliada com a diplomacia, defende o diretor do IPRI. “Para permitir uma operação dessa natureza em Cabo Delgado é preciso decidir qual o tipo de forças e de que países é que irão para o terreno e isso passa também por uma fase de negociação diplomática”.

O desafio Estados Unidos/China

A ONU, que “foi a organização emblemática da ordem internacional que saiu da Segunda Guerra Mundial” continua hoje a ter um “papel fundamental” mas enfrenta um novo grande desafio, na análise de Severiano Teixeira. “Nesta fase de conflito latente entre os Estados Unidos e a China temos de ver em que medida isso evolui e como pode afetar as Nações Unidas”. O diretor do IPRI lembra “como a rivalidade entre estas duas potências quase paralisou a Organização Mundial de Saúde e isso pode repetir-se com a ONU”.

Nuno Severiano Teixeira recorda que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tem evoluído de acordo com a conjuntura internacional. E se na Guerra Fria o conflito latente entre os Estados Unidos e a então União Soviética “retirava eficácia” à ONU, o mesmo pode acontecer agora com este braço de ferro entre Washington e Pequim. “Há quem diga que já estamos a viver uma nova guerra fria. Mas vai ser muito importante continuar a afirmar a importância do multilateralismo para assegurar a paz internacional”.

Para Felipe Pathé Duarte “o principal desafio da ONU atualmente é o de correr o sério risco de ser apenas uma voz e não ter capacidade efetiva para cumprir essa voz”. “Tem de haver alterações significativas na estrutura das Nações Unidas e repensar-se o que é o Conselho de Segurança”.

Os membros permanentes do Conselho de Segurança são os Estados Unidos da América, a Federação Russa, a França, o Reino Unido e a República Popular da China.

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