Os Senhores do Tempo

por Guilherme Rego
João Melo*

“Pai, está tudo morto”, disse com voz grave a minha filha ao telefone, durante as férias em casa da avó. Numa dramática fracção de segundo percorri mentalmente vários cenários, desde cães, gatos, e plantas que a avó não tem, até à própria avó, antes de lhe perguntar “tudo morto, o quê?” Ela respondeu “os Sims, pai”. Para quem não sabe, os Sims são um jogo de simulação de vida, onde se podem criar e controlar as vidas de pessoas virtuais. Aliviado ouvi então a explicação: “estava a jogar com o modo livre-arbítrio desligado, saí com a avó e deixei o jogo em play; quando cheguei estavam contas por pagar, trabalhos de casa espalhados pelo chão, restos de comida por todo o lado, e três túmulos dentro de casa”. Este episódio ocorreu há nove anos. Podia ser agora.

Percepcionamos o mundo a três dimensões, no entanto há modelos matemáticos que comprovam a existência de pelo menos onze. Pensa-se que a quarta dimensão é o tempo. Algo ou alguém que tenha acesso a ela observará o tempo “de cima”, não em linha sequencial de passado, presente e futuro, e sim como um todo, talvez o estado que mais se aproxima do conceito de eternidade.

A minha filha era a deusa dos Sims, e deixando-os por sua conta, extinguiram-se num atavismo social caótico. Suponho que enquanto definhavam fartaram-se de suplicar ajuda divina mas ela não chegou, a deusa tinha ido ao café com a avó. “- Então e agora filha, ficaste triste? Deram trabalho a criar, já te tinhas afeiçoado a eles?” “- Não há problema, papá! Quando ia desligar o computador lembrei-me de não salvar o jogo; assim que o voltar a ligar ele recomeça do ponto onde tinha ficado, antes da desgraça”. Sabemos que existiu um universo paralelo em que aqueles seres pereceram; para eles esse acontecimento deve ser apenas um sonho, uma falha na matrix, porque na verdade estão vivos. As suas noções de tempo e realidade foram manipuladas. Seremos nós também uma criação holográfica de um deus menor?

Todos os animais possuem instinto de sobrevivência, mas livre-arbítrio, o poder de decisão, Deus concedeu em exclusivo à espécie humana, segundo a Bíblia. A pandemia impulsionou-nos o instinto de sobrevivência, as regras de confinamento cerceiam o livre-arbítrio. Entretanto somos informados que em países como os Estados Unidos, Brasil e outros onde a religião, o instinto, ou o livre-arbítrio têm rédea solta, os números de mortos são assustadores. Dependendo da entidade que difunde a mensagem, quem não usa máscara tanto pode ser um indivíduo normal manifestando a sua liberdade de opção, como um criminoso inconsciente que atenta contra a vida alheia. Especialmente em épocas de crise, a propaganda de Estados, instituições, figuras de relevo da sociedade, bem como dos media contribui decisivamente para a construção do real, obtendo diversos tipos de efeitos sobre a população, afectando o seu conhecimento do quotidiano. 

Neste momento grande parte dos cidadãos estão a ser testados, catalogados, seguidos passo a passo, e nos países que não o fazem vão caindo que nem tordos. A escolha entre estas duas opções leva-me a concluir que hoje, se quisermos viver, temos o livre-arbítrio de fazermos o que nos mandam. Bem vindos à nova ordem mundial em que somos meras personagens de um jogo de Sims, provavelmente o que sempre fomos, controlados pelos Senhores do Tempo, quer eles sejam deuses ou intermediários que nos criam e moldam a realidade. 

*Músico e Embaixador do Plataforma

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