Zach Wyatt, ator: “Em Macau aprendi a ser um pouco camaleão”

por Filipa Rodrigues
Gonçalo Lobo Pinheiro

PLATAFORMA – Quem é o Zach Wyatt?
Zach Wyatt – Nasci em Hong Kong. Depois, mais tarde, vim morar para Macau onde passei a infância, e parte de adolescência. No ensino secundário fui estudar para o Reino Unido. Quem sou eu? [risos] Que questão difícil. A minha mãe é dos Estados Unidos da América e o meu pai é do Canadá. Tenho uma irmã. Sou ator.

– A família apoia-o na carreira de ator?
Z.W. –  Absolutamente. A minha irmã, que é uma fantástica escritora, está lá sempre. Os meus pais dão muito apoio. Falamos muito. Aliás, eu e a minha irmã estamos sempre em contacto com ideias e desafios um ao outro. Crescemos a ver filmes e séries juntos. É muito bom sermos capazes de discutir isso e é, definitivamente, uma ajuda e influencia na minha carreira enquanto ator.

– Quando percebeu que a carreira profissional seria na área da representação?
Z.W. – Ainda em Macau, provavelmente aos nove ou dez anos. Esta é a noção que tenho, mas os meus pais contam que anos antes já tinha muita vontade de fazer as pessoas rirem, impressionar pessoas, cantar, dançar. Na verdade, o que eu queria mesmo era ser jogador de basquetebol, mas sou muito baixo [risos]. Bem sei que a modalidade teve estrelas mundiais mais baixas do que eu como o Spud Webb [1,70m] ou o Muggsy Bogues [1,60m], mas ainda assim não me achei capaz para seguir o sonho. Não iria resultar.

– E?
Z.W. – Comecei a fazer teatro em Macau nas escolas onde estava a estudar, nomeadamente na Escola das Nações, e igualmente alguns cursos e workshops relacionados com a representação. Quis ser comediante. Pensei em fazer stand-up, mas pensava muitas vezes se seria engraçado o suficiente, porque a piada, a comédia é diferente de pessoa para pessoa. 

– Acabou por entrar na Guildhall School of Music & Drama, em Londres. Isso é uma grande responsabilidade.
Z.W. –  Verdade, mas foi a minha primeira escolha precisamente por isso, e porque sempre desejei permanecer no Reino Unido. Os meus pais compilaram uma lista das principais escolas de formação de atores. Depois de ver essa lista fez-se um click e acabei por escolher a Guildhall. Correu tudo bem. Fiz a minha primeira audição para entrar num conservatório e fui escolhido. Rapidamente entendi que aquela escola era a tal.

– Qual o papel de Macau na sua vida e formação enquanto pessoa e, por que não, enquanto ator?
Z.W. –  Sempre fui diferente em Macau. Aqui pareço diferente, soou a diferente. As pessoas veem-me como diferente. Venho de uma diferente cultura. Os meus pais são forasteiros. Não nasci em Macau. Penso que isso vincou a minha personalidade. Por exemplo, quando fui para o Reino Unido já não foi tão assustador. São realidades diferentes. Lá, já não sou tanto um corpo estranho. Macau deu-me uma sensação de pertença, mas Macau também me ensinou como me adaptar melhor às realidades. Falar chinês ou falar inglês. Acabar por ser um pouco camaleão. Macau foi, é e sempre será um local muito importante para mim. Foi aqui que cresci.

Zach Wyatt (Gonçalo Lopo Pinheiro/Plataforma)

– Depois de findos os estudos, que fez?
Z.W. – Depois de três anos em Guildhall, comecei a trabalhar numa discoteca e numa padaria para poder sobreviver no Reino Unido. Londres, como se sabe, é uma cidade muito cara. Não podia ficar parado à espera que caísse um papel de representação no colo. Mas, claro, durante esse tempo ia fazendo audições. Acabei por arranjar um agente e ele inscrevia-me nas audições. Tive muita sorte em conseguir um papel de relevo logo na minha estreia no The Hampstead Theatre [I and You, com Maisie Williams, atriz conhecida mundialmente por Arya Stark da série de televisão Game of Thrones da HBO]. 

– Como foi trabalhar com Maisie Williams?
Z.W. – Nem quis acreditar quando me disseram que fui selecionado. Pensei que haveria ali um mal-entendido qualquer [risos]. Quando caí em mim, surgiram logo as dúvidas: serei bom o suficiente? Maisie estava numa fase já muito adiantada de uma carreira ainda curta com todo o fantástico trabalho na série Game of Thrones. E eu a começar, apesar de ela estar a estrear-se também em teatro. Como vou encarar a Maisie Williams, pensei na altura, até porque a personagem dela na série era uma das minhas favoritas.

– E esta última experiência em televisão com o Urban Myths no canal britânico Sky Arts?
Z.W. –  A Covid-19 anda a adiar a estreia [risos]. Foi um papel muito bom. Interpretei Jimi Hendrix. Sempre foi um personagem que quis fazer, por isso, foi ouro sobre azul. Estou ansioso para que estreie. É sempre desafiante interpretar uma pessoa que não é ficção. Jimi Hendrix existiu. A produção está muito satisfeita e ansiosa pela estreia. O David Haig [ator com quem contracenou] deu-me muito apoio. É um ator conceituado no Reino Unido, com muita experiência, inclusive em Hollywood. 

– Mudando de assunto. Vamos falar de racismo. A morte de George Floyd. Qual a leitura disto tudo, sendo que tem raízes afro-americanas?
Z.W. – É difícil descrever o que sinto depois de ter visto o vídeo da morte do George Floyd. Penso até que é extremamente difícil alguém conseguir tecer comentários de cabeça limpa, racional. Não tenho qualquer dúvida que o que se passou em Minneapolis no dia 25 de maio foi uma questão racial. Não existe outra leitura possível depois de se ver aquele vídeo. É um vídeo que magoa, que trai, que me deixa enraivecido. É de uma injustiça enorme, mas não é surpreendente, infelizmente. Atos como este acontecem de tempos em tempos. E acontecem muitos com a polícia envolvida na história. Há mortes a mais relacionadas com o racismo. Há inúmeros filmes sobre racismo. A sociedade dos Estados Unidos está construída para beneficiar algumas pessoas, e os negros não estão, por certo, contemplados nesse bolo. Não estão, nunca estiveram e tenho a sensação de que nunca estarão. 

– Como é que um filho de uma negra e de um branco, habituado à diversidade, lida com isso?
Z.W. – Repare. Vivi episódios de racismo em Macau. Sinto discriminação por causa da cor da minha pele desde que me conheço. Sofri bullying na escola por causa de ser preto. Muitas pessoas gozavam comigo dizendo que eu não tinha tomado banho, que tinha a pele suja. Independentemente de teres uma história familiar inter-racial, isso nada importa. O que importa é como as pessoas te veem no dia-a-dia. Muitas nem sabem quem são os teus pais. Se és preto, eles veem preto. E depois vai de cada um lidar com isso. 

– É um problema para si ser negro no mundo da representação?
Z.W. – Absolutamente. Penso que é muito difícil para os atores negros. Repare que só muito ultimamente, os negros têm sido agraciados mais frequentemente com prémios de representação. E ainda é pouco. A indústria do entretenimento ainda necessita de quebrar muitas barreiras. O caminho é longo. E mesmo que atores como Denzel Washington ou Violeta Davis ganhem Óscares, tudo isso é ainda muito pouco. O sistema está montado para os brancos e, em particular, para os homens brancos. Até mesmo as mulheres brancas têm um caminho para percorrer.

– O que acha desta violência com derrube de estátuas pelo meio?
Z.W. – Deitem-nas abaixo. Não posso aceitar que se possa visualizar um vídeo de 8 minutos e 46 segundos com um homem a morrer aos poucos e depois dizermos que não podemos deitar as estátuas abaixo. Ou queimar coisas. Porque se há quem seja violento connosco, por que razão nós não seriamos violentos também? São reações de autodefesa, de autocontrolo. Na verdade, os movimentos têm sido pacíficos, mas acabam sempre com a polícia, na maioria dos casos, a disparar contra nós. Que raio! Como não ripostar? Temos vindo a ser provocados e achincalhados por séculos. Como podem pedir para não sermos violentos se foram violentos connosco este tempo todo? Não sejamos hipócritas. Por favor, sejamos razoáveis e justos. É por isso que lutamos: justiça. 

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