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10 anos sem José Saramago

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Dono de uma personalidade forte, controversa e de uma escrita peculiar, José Saramago continua a ser tema de debates acalorados, muito por culpa das suas posições em assuntos políticos e religiosos. Faz hoje 10 anos que morreu, aos 87 anos, longe do seu país

Na manhã do dia 18 de junho de 2010 morria escritor português José Saramago. O único prémio Nobel literário português deixou-nos aos 87 anos quando estava na sua casa de Lanzarote, nas Ilhas Canárias, juntamente com a sua mulher, a jornalista Pilar del Río.

O escritor passou mal durante o pequeno almoço e, mesmo tendo recebido apoio médico, acabou por não resistir. Saramago padecia de leucemia e já há alguns anos que o seu estado era débil. A causa da morte oficial acabou por ser complicações respiratórias provocadas por um fungo. O mundo literário comoveu-se nesse dia.

Um pouco por todo o mundo, especialmente lusófono, a efeméride será lembrada com diversas iniciativas e homenagens que vão desde conferências online até leituras de livros. Em Lisboa, por exemplo, será lido, na Fundação José Saramago, o livro “Alabardas, Alabardas” que o ribatejano nascido na Azinhaga escrevia aquando da sua morte, tendo sido publicado incompleto.

Outra iniciativa, também com o patrocínio da fundação com o seu nome, será o encontro online promovido pela #SempreEmCasa, que se realiza ao vivo no Youtube e no Facebook. A partir das 18h (hora local), o jornalista Afonso Borges vai conversar com Pilar del Río, que foi casada com o escritor e hoje preside à Fundação José Saramago, Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, e Carlos Reis, professor universitário em Coimbra.

O filme “José e Pilar”, de 2010, da autoria de Miguel Gonçalves Mendes, também foi escolhido para representar Portugal no EU Film Days 2020, um festival de cinema exibido no Japão, e assim assinalar o 10.º aniversário da morte do escritor.

Uma vida preocupada com as injustiças

As preocupações com as injustiças marcaam de forma indelével a vida e obra de José Saramago. Filho e neto de camponeses, nasceu em 1922 na vila da Azinhaga, perto da Golegã, no coração do Ribatejo.

As suas afinidades políticas, assumidamente comunistas, nunca o limitaram nas suas reflexões e, apesar de ter tido um papel militante durante parte da sua vida, chegou a criticar duramente a esquerda, tendo até proferido uma famosa frase: “Antes, diziamos que a direita era estúpida, mas hoje não conheço nada mais estúpido que a esquerda.”

Saramago sempre valorizou os debates profundos sobre democracia, cuja considerou, em certa altura, “uma falácia”, uma vez que o escritor achava que o real poder não estava nas mãos dos governos, mas sim nas mãos das grandes empresas multinacionais dos mais variados setores.

Publicou o seu primeiro romance “Terra do Pecado” em 1947, com chancela da Editorial Minerva. Mas, muito provavelmente, só em 1980 com “Levantado do Chão”, pela Editorial Caminho, é que Saramago encontra verdadeiramente o seu caminho enquanto grande homem da literatura.

Seguiram-se verdadeiras obras primas da literatura portuguesa e igualmente títulos polémicos como, por exemplo, o “Memorial do Convento”, de 1982, e “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, de 1991.

Aliás, este livro mudou por completo a vida do autor. Ateu confesso, Saramago humaniza Cristo, evidenciando o seu caráter frágil e vulnerável, para além de insinuar uma suposta relação de Jesus com Maria Madalena. A reação ao romance foi, em especial em Portugal, particularmente truculenta.

O então sub-secretário de Estado adjunto da Cultura, António de Sousa Lara, vetou o livro de uma lista de romances portugueses candidatos a um prémio literário europeu. A medida foi, na altura, apoiada pelo primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva. Saramago nunca perdoou a decisão e, revoltado, deixou o país e foi viver para Espanha, fixando-se em Lanzarote, nas Ilhas Canárias.

Com o Prémio Nobel da Literatura em 1998, a sua careira literária voltou ganhar maior folêgo, mas não se livrou de um ataque acérrimo por parte do Vaticano que considerou o prémio dado pela Academia Sueca uma afronta. “É um comunista com visão anti-rreligiosa do mundo”, escreveu o jornal oficial do Vaticano L’Osservatore Romano, na altura. Saramago respondeu à altura: “Em vez de opinar sobre literatura, tema sobre o qual não entende, o Vaticano deveria se preocupar com os esqueletos que tem guardados no armário.”

Consagrado, o escritor português começou a conquistar o mundo com a trilogia “Ensaio sobre a Cegueira”. Lançado em 1995, o livro mostra como um motorista parado no sinal se descobre subitamente cego. A obra foi adaptada para filme, realizado pelo brasileiro Fernando Meirelles em 2008, e foi protagonizada por Julianne Moore e Mark Ruffalo.

Ao longo dos seus 87 anos de vida, Saramago não foi um homem de meio-termo. Acumulou fãs e seguidores em todas as esferas, assim como diversos desafetos e ódios de estimação. Em 2003, o crítico literário Harold Bloom afirmou que Saramago seria, na sua opinião, um dos mais talentosos escritores vivo daquele momento, apenas tendo a ombreá-lo o americano Philip Roth.

Saramago foi agraciado com Doutor Honoris Causa por diversas universidades no mundo. Em 2007, criou, na Casa dos Bicos em Lisboa, a Fundação José Saramago “não apenas com o objectivo de promover a conservação, o estudo e o conhecimento da sua obra mas também de intervir social e culturalmente, de impulsionar acções a favor do ambiente e de contribuir para a promoção activa dos direitos humanos”, pode ler-se na página da instituição.

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