É esta a cruz do Brasil

por Guilherme Rego
Ricardo Oliveira Duarte*

Um homem curvado sobre si, camisola amarela à volta do pescoço, máscara igualmente colorida a tapar boca e nariz, espeta com veemência cruzes pretas no areal de Copacabana.

Respeita os outros, o sofrimento dos outros!”

Calções pretos, camisola azul escura, na cara uns óculos de sol. E zero vergonha. À medida que vai arrastando os pés pela areia vai derrubando algumas das cruzes ali colocadas.

Se eles têm o direito de botar… A praia é pública, eu tenho o direito de tirar.”

Na quinta-feira, 11 de junho, a ONG Rio de Paz fez um protesto pacífico e silencioso em homenagem às vítimas do novo coronavírus, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. 100 cruzes, encimando covas, buracos esculpidos na areia no mais absoluto silêncio.

O mesmo jeito que ele tem para tirar eu tenho para botar.”

Marcio Antônio do Nascimento Silva, pai de Hugo. O filho morreu a meio do mês de Abril. Tinha 25 anos. Saudável”. Aquele movimento rápido, certeiro, decidido, emocionado, aquele pedido/exigência por “respeito” não são só dele. O homem de amarelo é o Brasil a clamar por algo que parece tão óbvio quanto obrigatório por estes dias.

Isso aqui é um atentado contra as pessoas. Isso aí é terror. Tá criando pânico.”

A falta de empatia, de respeito, de sensibilidade. Só há rancor naquele argumento e movimento. O terror atirado aos outros como sendo deles é dele, que não consegue passar e seguir, respeitar. Baixar a cabeça que, orgulhosa e estupidamente, não ostenta máscara, que protegeria não só ele, mas sobretudo os outros, e caminhar pelo calçadão em dia de sol brilhante. Não.

Uma cruz bem pesada todos os dias invocar um Deus acima de tudo, ver numa cruz um Jesus que aterroriza, olhar para essas duas figuras e ver algo exclusivo, diferente

Não tava fazendo mal algum a ele, meu Deus do céu. Eu tava tão feliz, porque eu falei: poxa, uma homenagem, uma homenagem para as vítimas. Senti um pouco no coração aquele saudosismo”. Marcio Antônio do Nascimento Silva não segura as lágrimas dentro dos olhos alguns dias depois de ter visto aquele arrastar pesado e estúpido de mão a derrubar as cruzes.

A cruz de Jesus para aterrorizar o povo. Sacanagem.”

Deve ser uma cruz bem pesada viver assim, todos os dias de óculos de sol, apesar do sol brilhante de Copacabana. Uma cruz bem pesada todos os dias invocar um Deus acima de tudo, ver numa cruz um Jesus que aterroriza, olhar para essas duas figuras e ver algo exclusivo, diferente, só pode ser isso, algo exclusivo e diferente, afinal quais divindades poderiam ver com olhos benevolentes o que faz quem tanto os usa na boca, na palavra, e zero na ação?…

Marcio Antônio do Nascimento Silva, pai de Hugo.

Uma pesso… Um hom… Alguém que passeava no calçadão de Copacabana numa quinta-feira de junho de 2020, um dia de sol forte e brilhante, e que perante uma homenagem sentida e sincera a milhares de pessoas, compatriotas desse alguém, muitos conterrâneos dele, quem sabe até algum conhecido, não encontrou nada melhor do que ver naquilo uma ação partidária, ideológica, arrastar-se pela areia e derrubar várias cruzes.

Você chegar e chutar uma representação que tá representando uma pessoa, uma vítima… Isso não é liberdade de expressão. Isso é apenas raiva, ódio, é nem sei o nome pra dar pra isso”.

Tem de ser do homem de amarelo, uma cor feliz e acolhedora, a última palavra. Sempre.

Meu filho não é só um número.”

*Jornalista

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