E se Portugal apostasse a sério no teletrabalho?

por Pedro Tadeu
Inês de Sousa Real

Um dos aspectos surpreendentes da crise sanitária que estamos a viver e das contingências por si impostas foi precisamente a rapidez com que o tecido empresarial foi capaz de implementar uma transição digital acelerada e generalizar o recurso ao teletrabalho. Tal surpresa é ainda maior, se atendermos ao facto de, segundo um estudo da Eurofund, Portugal, apesar de ter o teletrabalho enquadrado na legislação laboral desde 2003, ser antes da crise um dos países que culturalmente apresentava mais resistência ao teletrabalho e que, ao nível da Europa, menos tinha implementado este regime, só estando melhor nesta matéria que a Grécia e a Itália. Um estudo da CIP demonstra ainda que, embora 62% das empresas não tivessem experiência prévia com o teletrabalho, 92% das empresas, que podiam recorrer a este mecanismo, fizeram-no em tempos de COVID-19.

De resto, nas últimas semanas, saíram diversos estudos que nos permitem fazer um balanço positivo desta aplicação forçada do teletrabalho no nosso país. Do lado dos empregadores, o referido estudo da CIP demonstra que mais de 52% das empresas que adoptou o teletrabalho equaciona manter esta solução, de forma permanente no futuro. De igual forma, no plano dos trabalhadores, um estudo da Robert Walters demonstra não só que 89% dos trabalhadores inquiridos estão satisfeitos com esta opção, como 96%  referem querer continuar em teletrabalho após a crise sanitária.

A satisfação dos dois lados da relação laboral só surpreenderá aqueles que estavam desatentos quanto às vantagens deste mecanismo, que há muito estavam identificadas. Antes da crise dizia-se que o teletrabalho promovia um aumento da produtividade, algo que esta crise provou ser verdade, uma vez que, conforme aponta a Deloitte, o teletrabalho não só permitiu que as empresas continuassem a laborar, como trouxe um aumento de 45% do volume de trabalho e implicitamente um aumento da produtividade. Diga-se que o teletrabalho, ao proporcionar aos trabalhadores uma maior flexibilidade na gestão do seu horário de trabalho e uma maior conciliação entre a vida profissional e familiar, pode assegurar uma maior e melhor qualidade de vida, bem-estar e satisfação pessoal dos trabalhadores, algo que o referido estudo da Robert Walters também vem atestar. Refira-se também que o teletrabalho, ao reduzir as deslocações diárias casa-trabalho/trabalho-casa, pode contribuir significativamente para a redução de emissões de CO2, pois bem bastará olhar para o volume de emissões de dióxido de carbono que se verificou durante as semanas de confinamento e depois do desconfinamento.

Uma das principais prioridades do país deverá ser a regulamentação do teletrabalho, em termos que assegurem o direito dos trabalhadores à desconexão profissional e que garantam o estabelecimento de limites claros à prestação do teletrabalho

Mas o confinamento provocado pela COVID-19 mostrou-nos igualmente que havia aspectos menos positivos associados ao teletrabalho que devem ser evitados no futuro. O aumento das horas de trabalho é um desses aspectos, sendo que, segundo a AESE, 75% dos gestores referiu precisamente este aspecto. Por seu turno a Robert Walters aponta para o facto de 50% dos trabalhadores identificar a dificuldade em separar a vida pessoal da profissional como aspecto negativo, e de 45% referirem ainda a falta de interacção física com os colegas de trabalho. No domínio dos direitos dos trabalhadores é de referir que, conforme sublinharam os sindicatos, os “custos de produção” – normalmente a cargo do empregador – passaram a estar a cargo do trabalhador e que em alguns casos o teletrabalho foi pretexto para o corte de alguns direitos laborais (como o direito ao subsídio de refeição), o que para lá do debate em torno da legalidade ou não desta medida, configura uma manifesta injustiça. Alguns alertaram também para as dificuldades que a generalização deste mecanismo traz à actividade inspectiva da autoridade para as condições de trabalho.

É certo que a implementação de uma modalidade de trabalho desta natureza, num contexto absolutamente excepcional e que em que não houve tempo de nos prepararmos previamente, condiciona fortemente a forma como, por exemplo, não foi possível garantir que todos os trabalhadores tinham ferramentas adequadas, como equipamento eletrónico ou internet para poder exercer as suas funções.

Parece-nos evidente que estes aspectos do teletrabalho têm de ser melhorados e que nos demonstram que uma das principais prioridades do país deverá ser a regulamentação do teletrabalho, em termos que assegurem o direito dos trabalhadores à desconexão profissional e que garantam o estabelecimento de limites claros à prestação do teletrabalho, nomeadamente ao nível do horário de trabalho ou a existência de instrumentos de trabalho garantidos pela entidade empregadora. Mas é também urgente que se criem benefícios para que as empresas apliquem este mecanismo aos seus trabalhadores.

Não podemos deixar de comentar que mesmo o PSD, rendido aos benefícios do teletrabalho, veio defender a introdução de incentivos à sua introdução no sector privado. Tal é positivo, mas lamenta-se que, há apenas 5 meses, o mesmo partido se tenha juntado ao PS, ao BE, ao PCP e ao CDS para chumbar uma proposta do PAN que, espante-se, por via de uma redução das contribuições para a segurança social procurava criar os incentivos que o PSD agora veio defender!

Diariamente são muitas as pessoas que perdem horas da sua vida nas deslocações casa-trabalho, com o desgaste que isso implica, a redução do tempo para a família e o lazer e bem assim como, com a consequente pegada ecológica. Ora, numa altura tão difícil em que muitos trabalhadores viram os seus empregos ameaçados por força das medidas que visaram o confinamento e o encerramento de atividades em prol de um bem maior – a saúde das pessoas, o teletrabalho foi sem dúvida um aliado na manutenção de muitos postos de trabalho e na possível manutenção de serviços e diferentes atividades.

A bem dos trabalhadores e das empresas, esperemos que todos os partidos, sem incoerências, consigam perceber a importância desta matéria e que juntos, sem procurar capitalizar ganhos políticos, consigamos encontrar um consenso para regulamentar e incentivar o teletrabalho em Portugal, que apesar das legitimas preocupações que têm de ser afastadas por esta via e pela via de uma fiscalização eficaz, tem a virtualidade de permitir uma maior conciliação entre a vida familiar e laboral.

E com isso ganhamos todos, sobretudo tempo e qualidade de vida e, já agora, também o Planeta!

  • Deputada do PAN (Portugal)

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