Orçamento em desconfinamento

por Guilherme Rego
Cecília Meireles*

O Governo apresentou esta semana uma alteração ao Orçamento do Estado. No mesmo dia, depois de meses de impasse, anunciou que o Ministro das Finanças estava de saída. Se já seria no mínimo estranho que um Ministro das Finanças abandonasse o cargo no meio de uma revisão orçamental, mais incompreensível é ainda que tal seja feito no meio de uma pandemia. Na falta de explicações, a mais provável é que o referido Ministro esteja bem mais preocupado com o seu próprio futuro do que com o futuro País e, como tal, mais atento ao calendário de nomeação do novo Governador do Banco de Portugal do que interessado na nossa difícil situação orçamental. Num Governo que se desse ao respeito, atitudes destas não receberiam prémios. Como infelizmente já não há espaço para grandes ilusões nesta matéria, veremos se o futuro nos reserva mais episódios desta novela.

Em todo o caso, a discussão sobre o destino do Ministro das Finanças consumiu muita da atenção que deve ser dedicada ao que esta alteração orçamental vem propor para Portugal. E vale a pena começar por dizer que, na realidade, propõe muito pouco.

É o mesmo Estado que paga tarde mas que exige receber mais cedo

A situação excecional que resulta da pandemia exige de facto medidas extraordinárias. Mas precisamente porque a nossa margem de manobra orçamental é pequena, sobretudo quando comparada com outros países europeus, valia a pena que estas medidas fossem pensadas e sobretudo executadas de maneira diferente. E que obedecessem a três critérios básicos que não se verificam no que está a ser proposto: simplicidade, rapidez e equidade.

Se há coisa que a pandemia demonstrou, é que a complicação é inimiga dos cidadãos em geral e da economia em particular. Se a sucessão de diplomas, regras e regimes a que assistimos desde que se iniciou a pandemia pode ser explicada pela novidade da situação, já é mais difícil aceitar essa explicação nesta revisão orçamental que vem “materializar” o que o Governo pomposamente batizou de “Programa de Estabilização Económica e Social”. Por isso mesmo, é incompreensível que o lay-off simplificado (que de simples sempre teve muito pouco) venha agora ser substituído na maior parte dos casos por outras medidas bastante mais complicadas, cujo regime é remetido para autorização legislativa, e cuja explicação implica distinções por períodos de dois meses, quebras de faturação, processos e escolhas diversas. Da mesma forma, também a necessária eliminação dos pagamentos por conta no ano de 2020, acaba afinal por ser uma limitação do primeiro e segundo pagamentos por conta, até um determinado limite.

A consequência da complicação é óbvia: perda de tempo. Tempo que muitas empresas, em situação difícil e a tentarem salvar os seus negócios e postos de trabalho, não têm. E muito menos terão os trabalhadores em lay-off, confrontados com uma situação de incerteza para além da dificílima circunstância de receberem apenas dois terços do seu salário. Daí a crucial importância de as medidas serem pensadas precisamente para poderem ser aplicadas com rapidez.

Por último, é também incompreensível que o Estado venha propor medidas para apoiar o rendimento das pessoas e ao mesmo tempo mantenha, por exemplo, uma tabela de retenção na fonte de IRS que retira aos contribuintes em adiantamentos mais do que é expectável que eles venham de facto a ter que pagar em sede de IRS (deixando as devoluções para reembolsos em 2021). Ou que continue a não permitir que os credores do Estado possam utilizar esses créditos (que correspondem a dívidas que o próprio Estado tem e não pagou) para pagarem as suas contribuições ou impostos. É o mesmo Estado que paga tarde mas que exige receber mais cedo. 

*Deputada do Centro Social Democrático-Partido Popular (CDS-PP) à Assembleia da República Portuguesa pelo círculo eleitoral do Porto

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