E tudo o politicamente correto levou…

por Rute Coelho
Rute Coelho

Não há época mais agarrada ao pensamento coletivo, seguidista das tendências nos media, do que esta. Funciona assim: o que as pessoas estão a gostar nas redes sociais é de criticar o racismo. Dá “likes”, é bom para os anúncios inclusivos de algumas marcas e para as compras de alguns produtos, é trendy. Logo, vamos ao nosso passado nas artes, da primeira à Sétima, “apagar” ou “eliminar” todas as referências incorretas e datadas ao racismo porque envergonham o público e isso afeta o mercado, a sacrossanta “imagem”.

É este contexto subliminar que está por trás da decisão politicamente correta e muito século XXI da HBO Max de retirar o filme “E Tudo o Vento Levou” do seu catálogo nos Estados Unidos. Será uma “retirada temporária”, para que seja incluída contextualização histórica ao filme de 1939. Porque transmite uma visão idílica da escravatura e perpetua estereótipos racistas, argumenta a plataforma norte-americana de streaming.

Vamos reescrever os livros, repintar os quadros, ajustar os argumentos dos filmes e as peças de teatro à nossa “nova normalidade”. Um termo orwelliano o suficiente e que assenta nesta Humanidade millenial como uma luva.

Não me interpretem mal. Sou profundamente anti-racista, acho a ideia de raça uma construção antropológica das elites, mas abomino de igual forma o revisionismo da arte à luz dos padrões atuais e dos nossos conceitos melhorados da História. Como provavelmente muitos dos nossos leitores, vi dezenas de vezes “E Tudo o Vento Levou” e não foi por isso que fiquei racista ou com vontade de ter escravos. A visão esclavagista do Sul dos Estados Unidos, tão cheia de clichés no melhor estilo Technicolor 1939, não se pega.

Numa mostra de Gauguin – o pintor francês conhecido pelos retratos das nativas nuas do Taiti (algumas delas menores de idade) – nove textos foram alterados para “evitar o uso de linguagem culturalmente insensível”, de acordo com a assessoria de imprensa da National Gallery de Londres. Na exposição “Retratos de Gauguin”, patente ao público em final do ano passado e até 26 de janeiro, os visitantes podiam percorrer a mostra sendo elucidados com informação útil, como esta: “O artista manteve relações sexuais repetidas com meninas muito jovens, casou-se com duas delas e teve filhos. Ou ainda:  “Gauguin sem dúvida explorou a sua condição como um ocidental privilegiado para aproveitar ao máximo as liberdades sexuais que lhe foram oferecidas”.

Bad boy Gauguin, nunca hei-de exibir um quadro teu. Porque agora fica mal dizer que se gosta da pintura de Gauguin. Ou dizer que quase se aprendeu a escrever com esse misógino e bêbado que era Hemingway. Já para não falar do perverso Nabokov com a sua “Lolita”. E o Klimt, esse modernista austríaco do século XIX que até pintou mulheres nuas a beijarem-se? Vamos reescrever os livros, repintar os quadros, ajustar os argumentos dos filmes e as peças de teatro à nossa “nova normalidade”. Um termo orwelliano o suficiente e que assenta nesta Humanidade millenial como uma luva.

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