Início Moçambique Tráfico de droga será o motivo do conflito em Cabo Delgado

Tráfico de droga será o motivo do conflito em Cabo Delgado

O representante do Escritório das Nações Unidas para a Droga e Crime Organizado (UNODC) em Moçambique considera que o tráfico de heroína, do Afeganistão para a Europa, é uma das principais razões do conflito em Cabo Delgado, norte do país, que envolvem grupos ‘jihadistas’.

A produção da droga praticamente triplicou nos últimos dez anos e Moçambique encaixa-se num dos corredores de tráfico que passa pela costa oriental africana, refere em entrevista à Lusa.

As autoridades do Quénia e Tanzânia aumentaram a vigilância nos últimos anos, empurrando os traficantes para sul, em direção à costa moçambicana, “em busca de novas rotas e novos mercados”.

“Aqui, aparentemente encontram um país que tem uma localização estratégica única para facilitar o tráfico de drogas”, indica César Guedes.

“O que estes países oferecem é facilitar passagem. Não é uma coisa sofisticada, mas têm fonteiras enormes e as autoridades não estão em todos os pontos. E os traficantes sabem disso”.

Depois de Moçambique, a heroína vai por todos os caminhos possíveis para a Europa, nomeadamente através das ligações ao país mais rico, a África do Sul.

Esta rota sul da droga produzida no Afeganistão parece um desvio muito caro até se fazerem contas: 10 quilos de heroína podem custar cinco dólares a ser produzidos e render até 20.000 dólares durante uma venda que pode ser concluída “em Londres, Zurique ou Frankfurt”, exemplifica.

Neste contexto, em Cabo Delgado, os traficantes “preferem uma situação de instabilidade, porque conseguem escolher melhor os seus espaços e o seu tempo” para transportar a droga.

As forças de segurança estão “ocupadas” com os ataques e, neste contexto “o tema do narcotráfico perde atenção. Agora, ainda mais com a Covid-19”, refere César Guedes.

A UNODC pretende apoiar a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para que a região “continue segura, livre de grupos armados, porque o que estamos a ver com essas ações na Tanzânia e Moçambique [em Cabo Delgado] não é normal”.

Trata-se de “uma situação externa com grupos infiltrados que querem provocar danos a países que sempre conviveram de forma pacifica”, ou seja, intrometem-se porque têm dinheiro para ganhar, têm “uma agenda perigosa, não alinhada com a realidade dos países, criminosa e ilegal para fazerem os seus próprios negócios numa situação de dificuldade” para as comunidades locais.

“É nos momentos de crise que os traficantes e os que estão veiculados à economia ilegal estão mais preparados para desenvolver os seus negócios ilícitos”, diz com base em anos de experiência a acompanhar o fenómeno.

César Guedes abriu o escritório de Moçambique há um ano, após um pedido do Governo à ONU, chegando a Maputo após dirigir a UNODC na Bolívia e depois de cinco anos no Paquistão – precisamente o país onde se fazem ao mar os barcos que atravessam o oceano Índico com heroína até Moçambique.

“Navios grandes e pequenos, fora da época de ciclones, chegam pouco a pouco. É uma viagem longa, mas segura e em que se faz muito dinheiro”, descreve.

O Governo moçambicano “está a fazer capturas importantes”, nota, dizendo que há um “esforço das autoridades em não ficar de braços cruzados”.

Em dezembro, as autoridades moçambicanas detiveram 13 suspeitos que transportavam cerca de 430 quilos de droga ao largo da baía de Pemba, capital provincial de Cabo Delgado.

Desde final de abril, está retida no porto da Beira, centro do país, uma embarcação com dez paquistaneses, encontrada à deriva ao largo da costa moçambicana a coberto de uma história pouco clara.

E a 26 de maio a polícia sul-africana (SAPS, na sigla em inglês) apreendeu heroína importada de Moçambique, avaliada em meio milhão de euros, no posto de fronteira entre os dois países em Lebombo, perto de Komatipoort.

Os sinais são evidentes e representam outro problema: “os países de trânsito também se convertem em países de consumo, porque alguma droga fica no país”.

Os criminosos pagam o tráfico das suas substâncias ilícitas em moeda e em droga que os traficantes locais, “que não podem concorrer no mercado internacional”, vendem no mercado doméstico.

César Guedes considera que Cabo Delgado pode ser “a locomotiva do país” graças aos recursos que tem, desde que seja eliminada a ameaça armada.

A violência “é lamentável porque Cabo Delgado é provavelmente das províncias mais ricas do país. Tem tudo: é uma região remota, quase intocada [do ponto de vista ambiental] e que tem gás, recursos agrícolas, pesca e gente muto hábil”

“As rotas [de tráfico] abrem e fecham de acordo com ações dos países de trânsito. Se o Governo de Moçambique tomar ações fortes e decididas, como estamos a ver, é provável que estes traficantes desviem o tráfico para outros sítios”, descreve.

No entanto, não pode ser uma ação unilateral: “Um bloco de países é mais forte que um país sozinho”, pelo que a UNODC aposta na integração do tema na agenda da SADC, trabalhando depois projetos específicos com grupos de dois ou mais países, por exemplo, na área da segurança marítima, conclui.

Há um ano, a 04 de junho de 2019, o grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico (EI) reivindicou pela primeira vez uma ação armada em Cabo Delgado de entre os ataques protagonizados por rebeldes armados sem rosto desde outubro de 2017.

Outras reivindicações pelo EI têm se seguido num conflito que passou a mobilizar a atenção de organizações internacionais que o classificam como uma ameaça terrorista.

A violência armada já provocou, pelo menos, 600 mortos e afetou 211.000 pessoas, a maioria obrigadas a fugir e refugiar-se noutras zonas de Moçambique, segundo as Nações Unidas, que lançaram esta semana um apelo para angariar 35 milhões de euros com vista a implementar uma resposta rápida à crise humanitária.

A violência intensificou-se desde o início do ano com os grupos armados a ocuparem sedes de distrito durante vários dias e com as forças armadas moçambicanas a anunciaram maiores contra-ataques, contribuindo tudo para um aumento do número de mortes e deslocados.

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