Fugir da fome é um desafio no estado de emergência

por Fernanda Mira

Leonor Mathe vende biscoitos no terminal de transportes da Praça dos Combatentes em Maputo e hoje, no primeiro dia útil da segunda prorrogação do estado de emergência devido à covid-19 em Moçambique, arriscou sair à rua para “fugir da fome”.

Apesar de não haver confinamento obrigatório, o Presidente da República pediu na quinta-feira, numa comunicação à Nação, que todos fiquem em casa para evitar o aumento de infeções pelo novo coronavírus, que dispararam em maio.

Leonor, 48 anos, segue os cuidados que pode – usar máscara e desinfetar as mãos, por exemplo -, mas diz à Lusa que “não dá para ficar em casa por causa da fome”.

A comerciante informal percorre diariamente os movimentados passeios da Praça dos Combatentes com um pequeno balde de biscoitos caseiros na cabeça.

Cada biscoito custa 25 meticais (pouco mais de 30 cêntimos de euro) e, em tempos normais, até dava para arcar com algumas despesas.

Mas desde que o novo coronavírus chegou, quase tudo mudou.

Hoje, apesar do receio de ser infetada e com medo das incursões da polícia municipal, é na azáfama do terminal que consegue o pouco dinheiro que ainda tem para sustentar sete filhos.

“Não há nada agora. O negócio parou”, lamenta a comerciante, pelo que tudo o que consegue é bem-vindo.

No primeiro dia útil da segunda prorrogação do estado de emergência em Moçambique muitas pessoas como Leonor circulavam pelas ruas em Maputo, logo pela manhã.

O argumento é quase sempre o mesmo: o sustento.

Líria Jaime, 31 anos, perdeu o emprego numa empresa privada que suspendeu atividades devido às restrições impostas pelo novo coronavírus e hoje está na rua a vender máscaras de capulana (tecido tradicional).

“Preferi lutar para ganhar o meu pão. Faço as minhas máscaras em casa e venho vender como forma de ajudar as pessoas a protegerem-se”, acrescenta, enquanto promove as suas peças no meio de uma multidão aparentemente desinteressada na baixa da Cidade de Maputo.

O impacto das restrições não escolhe setores.

Pascoal Lucas, motorista de transportes públicos, conta o drama de quem “continua a investir sem ver lucros”.

O estado de emergência em Moçambique impôs lotações mais pequenas para os operadores de furgões e autocarros e os prejuízos são avultados desde abril.

“O negócio caiu. Temos custos para manter os carros aqui, mas não estamos a ver retorno”, acrescenta Pascoal Lucas.

Como consequência, nas paragens há filas longas que tornam impossível o distanciamento social pedido pelas autoridades.

“Para conseguir apanhar o transporte é necessário acordar de madrugada e com estas limitações no número de passageiros a situação é muito pior”, lamenta Isabel Zita, que espera por um autocarro há pelo menos uma hora no terminal rodoviário da Praça dos Combatentes.

Para Regimildo Alberto, fiscal da Associação dos Transportes de Marracuene, a vulnerabilidade das pessoas nas paragens compromete os esforços para conter a pandemia, admitindo não haver espaço para o distanciamento sugerido pelas autoridades.

“Não faz sentido fechar instituições públicas e privadas enquanto as paragens estão cheias. As pessoas querem cumprir com as orientações, mas os parques são pequenos e os transportes são poucos. Estamos a falhar na prevenção”, frisa.

Com um total de 254 casos positivos e dois óbitos registados, Moçambique entrou no domingo numa nova fase do estado de emergência iniciado em 01 de abril e prorrogado por duas vezes, agora até 29 de junho.

Todas as escolas pararam, espaços de diversão e lazer estão fechados, estão proibidos todo o tipo de eventos e de aglomerações, recomendando-se à população que fique em casa, se não tiver motivos laborais ou outros essenciais para tratar.

Há limitação de lotação nos transportes coletivos, é obrigatório o uso de máscaras na via pública, a emissão de vistos para entrar no país está suspensa, o espaço aéreo fechou e o controlo fronteiriço foi reforçado.

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