A fábula e a sucessão

por Filipa Rodrigues
Paulo Rego

Stanley Ho, imperador charmoso, híper-competente – e filantropo – no mundo visível; poderoso, implacável e temido no submundo do jogo, encerra com a sua morte um ciclo irrepetível. A sua fortuna, colossal e incalculável, constrói o Macau moderno entre as décadas de 1960 e 1980. Nos 20 anos seguintes, influencia na sombra a política chinesa; e dispersa capital pelo mundo – especialmente o lusófono – pela mão de lobbies portugueses. Já neste milénio, Edmund Ho e a secreta chinesa pacificam as tríades em seu redor; bem como a família desavinda. Antes disso, a morte de Stanley anunciava o cataclismo. Talvez a paz esteja hoje no reino do senhor – ou talvez não…

Entre as quatro mulheres que Stanley assumiu, o comunicado da família distingue duas esposas – e duas “uniões de facto”. Angela Leong – a quarta mulher – única ativa nos dois mundos de Stanley, não se torce facilmente. Dirá o comum dos mortais que é fácil dividir um bolo infinito. Mas não é… Primeiro, porque a cauda emocional é longa e dura; depois, porque ter mais dinheiro é ter mais poder. E neste mundo particular, o poder é coisa muito séria.

Entre as quatro mulheres que Stanley assumiu, o comunicado da família distingue duas esposas – e duas “uniões de facto”. Angela Leong – a quarta mulher – única ativa nos dois mundos de Stanley, não se torce facilmente

Pansy Ho emerge de menina rebelde na socialite de Hong Kong e disputa o poder num império de homens de barba rija. Tem-nos no sítio – é o mínimo que se pode dizer. E tem o apoio de Edmund Ho e da oligarquia local, bem como os canais institucionais chineses. Angela Leong não dará murro em ponta de faca; mas a sua corte tem génio especial. Talvez aguente os cavalos, mas o sangue corre-lhes na guelra…

Há ainda outra incógnita: Lawrence Ho – o caçula – tem com a mana que manda uma relação tão distante que nem se pode chamar relação. Ninguém lhe dá importância, mas arranca com a City of Dreams, cinco anos mais tarde que a concorrência; cria o seu próprio feudo, mostra competência, gosto fino e uma marca distintiva em Macau, face às cópias de Las Vegas e à estética antiquada do pai. Está em jogo e, na cultura chinesa, tem um gene que é só dele: é homem – o primogénito. 

Stanley, há muito em prolongada convalescença, trocava de sangue como o comum dos mortais bebe água. No último ato do seu reinado, mandou a morte esperar. A fábula continua dentro de momentos.

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