Desconfinar: O que une e separa Angola, Macau e Portugal?

por Abel Morais
Fernanda Mira

Como vivem Portugal, Macau e Angola a batalha contra a covid-19? Como se aplica nestas três regiões do mundo a estratégia de desconfinamento? Três médicos em cada um destes locais explicaram em que ponto nos encontramos e como nos devemos preparar para o futuro.

De Macau, Portugal e Angola chega uma certeza: O vírus não acabou. Mónica Pon, Mário Freitas e Luís Bernardino contaram na webinar “Vamos Desconfinar” as suas experiências enquanto médicos de três latitudes e realidades muito distintas.

Se Macau e Portugal são considerados casos de sucesso a nível internacional na forma como conseguiram colocar em prática as regras de confinamento, já Angola debate-se com uma estrutura social que impede a total eficiência desta estratégia.

“O confinamento é uma ficção em África, especialmente nas teias urbanas onde se concentram milhares de pessoas, com uma organização urbanística muito diferente daquela que se vive na Europa ou em Macau”, indicou Luís Bernardino, pediatra angolano.

A médica interna Mónica Pon, sustentou que, de facto, foi a realidade geográfica de Macau que ajudou a controlar o número de casos. “Conseguirmos encerrar as fronteiras foi muito importante”, garantiu.

Já no caso português, Mário Freitas, ressaltou que a “espécie de milagre em Portugal muito se deveu à forma como a população aderiu a esta ‘bomba atómica’ de saúde pública”. O que permitiu, sustentou, a que “o Serviço Nacional de Saúde conseguisse estar à altura do desafio”.

Para o especialista angolano, os serviços públicos em África “são frágeis e não estão organizados” para um impacto desta envergadura, pelo que será necessária a ajuda da comunidade internacional, nomeadamente através da OMS. E recordou a sua experiência clínica aquando da ocorrência de outros surtos no país, como a cólera e sarampo, em que estas entidades tiveram um papel fundamental no seu controlo.

“Esta mobilização internacional será imprescindível em África, senão corremos um risco enorme”, sustentou, desvalorizando o facto de o número de casos no continente ser baixo quando comparado com outras zonas do globo.

“São aplicados poucos testes. Por exemplo, em Angola fizeram-se cinco mil. É manifestamente pouco. Ficamos sem saber, verdadeiramente, o que se passa”, vincou Luís Bernardino.

A aplicação de testes massivos e o conjunto de regras de distanciamento social, uso de máscara e lavagem das mãos, constitui para os três especialistas a melhor forma de lidar com esta doença que abalou as estruturas da vida em sociedade.

Mónica Pon alertou que “conhecemos pouco desta doença. Não sabemos o que vamos descobrir nos trabalhos de investigação”, pelo que “o ideal seria continuarmos todos em casa… Mas não pode ser”.

Ideia partilhada por Mário Freitas que acrescentou que “não podemos decretar uma espécie de ‘prisão domiciliária’, particularmente para as pessoas de maior risco, no caso, os maiores de 80 anos”. “Temos de nos reinventar, este é um desafio civilizacional para defender os mais frágeis com qualidade de vida”.

E é neste estágio que nos encontramos: desconfinar, encontrar formas seguras e estáveis para o regresso a uma possível normalidade.

“Desconfinar não significa relaxar”, disse Mónica Pon e deixou o alerta: “temos de estar atentos às patologias resultantes do próprio confinamento, há um aumento de outras doenças associadas, stress, ansiedade, diabetes, colesterol. O peso psicológico e económico nas pessoas é enorme neste momento”.

E para o regresso a este “novo normal”, os três médicos convidados da webinar, realizada pelo Plataforma com o apoio da Fundação Rui Cunha, estão de acordo na estratégia a usar: usos massivo de máscaras e aplicação das regras de higiene e distanciamento. “Só assim será possível estarmos mais aptos para o embate de uma possível segunda vaga”, acrescenta Mário Freitas.

Estas novas regras de comportamento social serão válidas enquanto nos encontrarmos nesta fase de estudo da doença. Como lembrou Mónica Pon “não sabemos qual o comportamento do vírus. Sabemos que não está controlado”.

E neste desconhecimento, realçado por Luís Bernardino – “temos de conhecer a doença primeiro” – e a demora previsível na descoberta de uma vacina que leva a médica interna de Macau a dizer: “uma má vacina é pior do que não haver uma vacina. Há centenas de empresas na corrida, mas não se pode acelerar o processo…”.

Mário Freitas vai mais longe nesta ideia: “Não sabemos, sequer, o que vamos descobrir”, frisando que “o fator protetor desta doença mantém-se o mesmo deste o primeiro dia e que deve continuar até existir uma terapêutica adequada”.

Quanto aos efeitos positivos do uso terapêutico de substâncias como a cloroquina ou a vacina BCG, os convidados da webinar foram peremptórios: Nada está provado e neste momento não há qualquer terapêutica dada como provada.

Neste particular, Luís Bernardino insistiu que “é preciso não dar ouvidos aos oportunistas! As pessoas estão muito crédulas perante a hipótese de uma solução fácil para a resolução fácil e rápida deste enorme problema”.

O futuro, esse, continua com um enorme ponto de interrogação. “Não sei o que podemos esperar no futuro….”, declarou Mónica Pon.

O que levou Mário Freitas e Luís Bernardino a insistir na consciência individual das regras para o desconfinamento e a alertar os governos dos respetivos países para a importância da testagem: “testar, testar, testar continua a ser a melhor arma para salvar vidas”.

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