Resolvi que te daria um beijo daqui a alguns dias, que te abraçaria, que conversaríamos sobre tudo e sobre nada. Resolvi que voltaríamos a comer aquele gelado gostoso juntos. Resolvi que veríamos amigos, que voltaríamos a percorrer as ruas, despreocupados, que me voltarias a inundar os sentidos com a tua voz e com os teus olhos de criança. Resolvi que o normal era possível e que nos esqueceríamos rapidamente de expressões como afastamento social, isolamento, estado de emergência quarentena, que teríamos mantido fora das nossas fronteiras o maldito vírus. Somos um povo heroico e generoso. Mas não, não era possível para já. E este para já é relativo, porque sim, será sempre para já, demore o tempo que demorar, o nosso reencontro de abraços, beijinhos, gelados e conversas sem nexo que edificam a alma, faz-se com o nosso afastamento. Mais depressa caminhamos ao encontro um do outro, afastando-nos. Mas este mundo não é apenas nosso, mas a alegria no afastamento que dá vida não depende apenas de nós.
Há outros humanos, os que não podem e os que não querem seguir as novas regras de não contacto. É uma questão de consciência. Sim. Ela, a consciência, faz diferenças entre as pessoas, busca almas gémeas, sempre, por isso nos damos tão bem em contacto com umas e não com outras pessoas. E agora nos damos bem em afastamento de umas pessoas e outras nos são indiferentes, mas perigosas, se não se mantiverem dentro das balizas. O vírus gosta delas como nós gostamos do nosso gelado. O nosso gelado pode esperar, mas o vírus é impaciente, temos de jogar com ele a brincadeira de esconde-esconde. Olha, já me esquecia de te dizer, resolvi amar-te mais ainda, há novos casos de Covid-19, e eu mantenho-me na luta contra o vírus, mantenho-me afastado, sem o beijo que te daria.
