‘El País’ conta como jovens moçambicanos sem futuro se transformaram em islamitas

por Pedro Tadeu

Agora foi a vez do jornal espanhol El País publicar um texto intitulado Moçambique: de jovens sem futuro a movimento jihadista na edição de 21 de abril, em que chama a atenção para o elevado número de mortos provocado pelo conflito – mais de 900 vítimas – e para os níveis de adesão a um movimento que conta agora com mais de uma década.

O texto de El País recorda que o movimento teve origem num diminuto grupo de jovens que se reuniam há cerca de uma década em Mocimboa da Praia e procuravam assegurar um modo de vida, recorrendo à economia de subsistência ou a práticas ilegais como o tráfico de madeiras.

Não seriam então mais de 50 e vão começar um processo de radicalização que culminou no ciclo de brutal violência que se vive hoje em Cabo Delgado.

Inicialmente, era um grupo não violento, “jovens com ligações indiretas a dirigentes espirituais na Arábia Saudita, Líbia, Sudão, Argélia e monarquias do Golfo”, explica ao diário espanhol Salvador Forquilha, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) de Maputo.

O estudo do Alcorão

O processo de radicalização inicia-se com viagens a países como a Tanzânia e o Quénia para o estudo do Alcorão em madrassas nestes países. Um estudo dominado pelas ideias wahabitas, uma forma rigorosa do islão seguida na Arábia Saudita.

Em África, um dos principais porta-vozes desta versão do islão na região onde se integra Moçambique foi o queniano Aboud Rogo, que veio a ser morto em 2012.

A população de Cabo Delgado, refere o texto do diário espanhol, chama-lhes frequentemente Al Shabab, como o grupo islamita da Somália. O El País atribui o sucesso dos Al Shabab moçambicanos à falta de perspetivas, à espantosa e continuada inação do governo e a apoios externos que o grupo tem vindo a receber.

As questões étnicas desempenham aqui também um papel importante, pois uma das etnias regionais, os Mwani, afirma-se discriminada. Por outro lado, as forças de segurança também não encontram grande apoio entre a maioria da população, por serem predominantemente formadas por elementos do sul do país, chegando a ser consideradas quase como “forças de ocupação”, segundo críticas locais recolhidas por outros investigadores.

Na última terça-feira, o grupo assassinou mais de 50 jovens na localidade de Xitaxi, por se recusarem a aderir às suas fileiras, segundo fontes da polícia moçambicana.

Apoio de países vizinhos

À maturação ideológica, os Al Shabab moçambicanos, segundo a reportagem de El País (que acompanha sempre de perto as conclusões de Salvador Forquilha) começaram a ser financiados por comerciantes tanzanianos. Ao mesmo tempo desenvolvem laços com grupos islamitas dos países vizinhos, que também lhes fornecem algum apoio logístico e financeiro, além de treino.

O islão torna-se a referência e a bandeira para desafiar as autoridades e construir um discurso de vida alternativa, nota o investigador moçambicano.

O que sucedeu no mesmo momento em que se avança para a exploração do gás natural, cujo início se antevê para 2022 a 2024, mas sem certezas de que esta venha a gerar riqueza e oportunidades de desenvolvimento para a região. Mais um motivo para alimentar a mobilização dos islamitas.

Desafio

Os primeiros a chamarem a atenção para o risco que os Al Shabab moçambicanos poderiam representar foram as autoridades religiosas tradicionais, que vão deparar com a total apatia do governo. O El País explica que as autoridades de Maputo achavam estar perante uma questão religiosa em que deveriam intervir, citando Salvador Forquilha.

Quando começaram os ataques, no final de 2017, o governo de Maputo irá manter a mesma posição de indiferença. “Nunca entenderam a dimensão do problema”, salienta Forquilha.

Um problema que representa hoje um mais sério desafio de segurança do que o constituído pelos elementos dissidentes da Renamo, que ameaçam com uma nova onda de violência no país se as suas reivindicações não forem contempladas no quadro dos acordos assinados em agosto de 2019, na capital moçambicana, entre o governo da Frelimo e o principal partido da oposição.

A gravidade da situação levou, finalmente, o governo de Maputo a tomar algumas medidas, escreve o El País, que dá como exemplo a contratação de mercenários sul-africanos. O diário espanhol adianta que, sustentando-se na análise de alguns especialistas, esta solução poderá não ser a melhor.

A detenção e o desaparecimento de alguns jornalistas na província de Cabo Delgado sugerem que está a suceder algo que o governo prefere não venha a conhecer-se em detalhe.

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