Na Bielorússia, a Covid é uma “psicose” e nem o futebol foi cancelado

por Guilherme Rego

A Bielorússia era considerada a “última ditadura da Europa” para a antiga Secretária de Estado norte-americana Condoleezza Rice (presidência de Georg W.Bush). Como escreve hoje o jornal Le Monde, este país do Leste europeu arrisca agora ser visto como aquela “aldeia dos irredutíveis gauleses”, uma bolsa de resistência política às medidas de isolamento social que grassam por todo o mundo por causa da Covid-19.

Segundo os números oficiais do país, o coronavírus infetou apenas 152 bielorussos numa população de 9,5 milhões de habitantes (quase o equivalente a Portugal). O Presidente do país, Alexandre Loukachenko, recusa-se a decretar quarentena porque diz que as medidas de isolamento social é que “matam as pessoas”. Mais radical na negação da Covid-19 do que o brasileiro Bolsonaro ou o norte-americano Trump, o Chefe de Estado bielorusso classifica a pandemia de “psicose”, como relata o correspondente do jornal francês em Moscovo.

Na Bielorússia tudo permanece alegremente aberto: restaurantes, mercados, lojas. Os cidadãos são livres de circular, de ir e vir de e para onde quiserem. O campeonato de futebol é o único no mundo que não foi suspenso e os estádios enchem-se de adeptos. De tal forma que para saciar o apetite por bola dos seus nacionais ressacados, países vizinhos como a Rússia, Ucrânia mas até o mais longínquo Israel adquiriram já os direitos de transmissão do campeonato bielorusso.

Em contrapartida, o campeonato de basquetebol foi suspenso, vá-se lá saber porquê.

A única medida de precaução adotada pelas autoridades bielorussas está a ser a de medir a temperatura corporal dos visitantes que chegam ao país. E os únicos a quem é pedido que fiquem em casa (pedido e não imposto) são os idosos com mais de 65 anos e os que regressaram do estrangeiro.

No poder desde 1994, Alexandre Loukachenko qualificou a pandemia de “psicose” desde o início. As suas tiradas em público sobre a doença têm oscilado entre a negação (“Está a ver algum vírus aqui?”, atirou para uma jornalista), as bravatas (“Mais vale morrer de pé do que de joelhos”) ou conselhos de avôzinho a enaltecer as “virtudes da vodka” para matar o bicho ou a condução de tratores, veículos que o país produz em massa. Também não resistiu à tentação das teorias da conspiração, quando se saiu com tiradas como esta: “O coronavírus caiu do céu? Quem é que precisa dele?”. Chegou a acusar certos homólogos de outros países (não os nomeando) de se “aproveitarem da situação”.

A 30 de março, Loukachenko disse, sem qualquer fundamento científico, que “a quarentena mata as pessoas, que precisam de respirar ar livre”,

Outras medidas de prevenção que estão a ser tomadas acontecem à revelia do Estado. Certas empresas enviaram os seus funcionários para teletrabalho e muitos pais deixaram de levar os filhos à escola, forçando o Ministério da Educação bielorusso a pensar num eventual encerramento dos estabelecimentos de ensino.

Uma residente da capital, Minsk, contactada pelo Le Monde contou que a sua mãe passou dez dias hospitalizada, atingida por uma pneumonia viral e fortes febres, mas nem ela nem as sete pacientes que se encontravam no mesmo quarto de enfermaria foram submetidas a testes de despistagem da Covid-19.

Oficialmente, o Ministério da Saúde bielorusso garante que vai despistar todos os casos até os de pessoas sem sintomas.

Na Bielorússia diz-se à boca fechada que há muitos mais doentes do que aqueles que figuram nos números oficiais mas que não são declarados como infetados por coronavírus, apenas como tendo “gripe sazonal ou gripe dos porcos”, como contou um médico à Radio Svoboda.

Pouco confiante nas políticas preventivas do país governado por Loukachenko, a Rússia fechou a 18 de março a fronteira que tem com o país vizinho e aliado.

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