Próximo epicentro da pandemia, avisa Organização Mundial de Saúde

por Arsenio Reis

Angola registou os dois pri­meiros casos e já faz parte da maioria dos países africanos que têm a covid-19. Depois de sema­nas com doentes a conta-gotas, África pode estar a caminho de uma catás­trofe sanitária, avisa a Organização Mundial de Saúde (OMS). Sistemas de saúde frágeis e níveis de pobreza generalizada, agravados por doenças endémicas, fazem temer o pior.

Tem sido uma espécie de enigma: afinal, porque quase não há casos de covid-19 em África, questionavam-se os especia­listas. Pode ser do clima? De um maior isolamento do continente? Da impossi­bilidade de fazer testes em grande escala para confirmar a infeção? Tudo isso jun­to? Não existe uma resposta satisfatória, mas o cenário da epidemia pode estar a mudar.

Todos os dias mais Estados africanos anunciam casos da doença. No passado fim-de-semana, foi Angola a reportar os dois primeiros casos. Ambos importados de Portugal.

Até ao início desta semana eram pouco mais de mil os casos em 38 dos 54 países do continente africano.

Depois de um período em que os do­entes foram surgindo a conta-gotas, os números estão agora a crescer, sugerin­do que a epidemia pode estar a entrar numa nova fase no continente.

A OMS fez soar os alarmes: “A situação [em África] está a evoluir muito rapida­mente”, avisou a diretora da OMS África, Matshidiso Moeti, apelando ao reforço dos sistemas de saúde no continente, tarefa em que a organização tem estado empenhada.

Desde meados de fevereiro, quando não havia casos conhecidos de covid-19 na região, que a OMS apoia o reforço da capacidade de diagnóstico da doença, enviando equipamento e fazendo forma­ção para permitir o rastreio nos países do continente.

Há um mês, Moeti tinha considerado fundamental os países “poderem detetar e tratar casos graves de forma precoce, para evitar a propagação de um surto” que acabaria por “desestabilizar siste­mas de saúde frágeis”.

Ainda a doença mal tinha atravessado as fronteiras da China, só dois países em África tinham capacidade para fazer o diagnóstico laboratorial do covid-19. Hoje, 40 estão aptos a fazê-lo. Mas, cla­ramente, não chega.

Na última semana, Moeti admitiu que não existem kits de teste em número suficiente para se poder ter uma certeza se há ou não uma transmissão da doença em larga escala no continente.

NÚMEROS A CRESCER

O número total de casos em África era de pouco mais de mil [no passado fim-de-semana], para uma população global de 1,3 mil milhões de pessoas. Parece pouco, e é muito inferior ao que muitos países europeus estão a registar diaria­mente, como acontece na Itália ou em Espanha. O problema é ninguém saber exatamente como a situação vai evoluir a partir daqui no continente.

Por isso, o próprio diretor da OMS, Te­dros Adhanom Ghebreyesus, preferiu não poupar nas palavras e pediu aos governos africanos “para despertarem”.

“A África tem de acordar. O meu conti­nente tem de acordar”, apelou o médico etíope que lidera a OMS desde 2017 e que tem nesta crise global o maior de­safio no exercício do cargo.

Com os casos a rondar o milhar, as re­comendações da OMS para a região são iguais às de outras latitudes: isolamento e distanciamento social, cancelamento de atividades com ajuntamentos.

PREOCUPAÇÃO

A África do Sul, que tem talvez o melhor sistema de saúde no continente, lidera na contagem dos casos de covid-19 [mais de 200 até ao passado fim-de-semana].

Outros países vieram nos últimos dias juntar-se aos que têm casos positivos. Por isso há cientistas que temem que a doença esteja silenciosamente a espa­lhar-se na região.

Bruce Bassett, investigador em análise de dados na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, é um deles. “A minha preocupação” disse à Science, “é que isto se torne numa bomba-relógio”.

“Na verdade, não temos nenhuma ideia de como o covid-19 vai comportar-se em África”, resume à mesma revista Glenda Gray, pediatra, investigadora em VIH e presidente do Conselho de Investigação Médica da África do Sul.

O continente carrega o fardo de doenças endémicas que afetam parte da popula­ção, como o VIH, a malária, a tubercu­lose ou a doença do sono. Se a epidemia assumir ali um padrão idêntico ao que mostra na Europa, não há espaço para bons prognósticos.

TEMPERATURA PODE AJUDAR

Existe a esperança de que o clima mais quente de muitos países do continente possa funcionar como um travão ao con­tágio rápido. Estudos preliminares pare­cem apontar nesse sentido, mostrando que as temperaturas mais altas abrandam a progressão do contágio no covid-19.

Um estudo feito por analistas norte-americanos indica que o maior número de transmissões tem ocorrido em regi­ões cujas temperaturas se situam entre os 3 e os 13 graus Celsius. Já nos países com temperaturas médias acima dos 18 graus registam-se menos de 5 por cento do total dos casos.

Se estes dados se confirmarem é possível que a epidemia assuma um padrão mais brando em África. Tem de se esperar. Até lá, a OMS recomenda que África se prepare para o pior. ­

Filomena Naves 27.03.2020

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