Novos líderes e problemas antigos

por Arsenio Reis

Guiné-Bissau deu um novo passo em direção a um Estado falhado: um presidente autoproclamou-se chefe de Estado sem que os procedimentos de validação eleitoral tivessem concluídos e contra a vontade da comunidade internacional. 

Um primeiro-ministro nomeado pelo autoproclamado Presidente ameaçou atuar contra a equipa de peritos da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) enviada a Bissau e os parceiros decidiram recuar por não estarem reunidas condições segurança. O próximo passo serão sanções a um país que tem vivido do apoio internacional e parece caminhar em direção ao abismo.

Umaro Sissoco Embaló, dado como vencedor das presidenciais da Guiné-Bissau pela Comissão Nacional de Eleições, não quis esperar pelo fim do recurso de contencioso eleitoral a decorrer no Supremo Tribunal de Justiça interposto pelo candidato Domingos Simões Pereira, e marcou a posse simbólica como Presidente do país. Foi a 27 de fevereiro.

Mas, o ato simbólico rapidamente passou a efetivo, com os acontecimentos a precipitarem-se uns atrás dos outros. Depois da cerimónia de posse, Umaro Sissoco Embaló foi para o Palácio da Presidência onde o chefe de Estado cessante, José Mário Vaz, lhe passou a pasta.

Imediatamente a seguir demitiu o primeiro-ministro Aristides Gomes, cujo Governo mantém a maioria no parlamento, nomeou Nuno Nabian como novo chefe do governo, que indicou os ministros, e os militares ocuparam todas as instituições de Estado, incluindo as judiciais.

“É um golpe de Estado”, denunciou Aristides Gomes, perante a passividade da comunidade internacional, que não conseguiu acompanhar a celeridade dos acontecimentos.

Este é hoje um retrato da Guiné-Bissau. A situação é “preocupante e tende a agravar-se”, considerou o analista político guineense Rui Landim.

“É uma situação que chegou ao ponto de um certo cansaço da comunidade internacional, mas que não se justifica, porque no final das contas nós também fazemos parte do mundo e aqui vivem pessoas e é preciso que lhe sejam proporcionados momentos para ter uma vida digna como qualquer outro povo”, salientou.

Erros fatais

O papel da CEDEAO, organização da qual o país faz parte e que tem estado a mediar a crise política na Guiné-Bissau desde 2012, tem sido de consecutivos “erros fatais”. O primeiro, segundo Rui Landim, foi a postura de “deixar andar” quando o Presidente João Bernardo “Nino” Vieira foi assassinado em março de 2009.

“Contribuiu para a situação”, disse Rui Landim”, recordando que, na ocasião, “Nino” Vieira estava a negociar a própria segurança.

Depois, já em 2012, a comunidade internacional “colabora com os golpistas”, referindo-se ao golpe de Estado dado a Carlos Gomes Júnior, que na altura ocupava funções de primeiro-ministro. “Agora chega ao momento em que faz interferências indevidas e faz declarações fora das respetivas competências”, explicou Rui Landim.

Portanto, sublinhou, a “CEDEAO está a beber do próprio veneno. Cometeu erros fatais”. Para Rui Landim, a CEDEAO “nunca teve ações positivas para a Guiné-Bissau”, até porque, salientou é “uma organização que não tem alma”, os princípios estão lá, mas vive de acordo com os interesses dos chefes de Estado da sub-região.

A sociedade dividida

A interminável crise política guineense está a ter um impacto social que, apesar da calma observada nas ruas de Bissau, é visível nas redes sociais onde há uma guerra aberta entre apoiantes de Domingos Simões Pereira e de Umaro Sissoco Embaló.

Vale tudo para defender aquilo em que cada um dos lados acredita. Acusações, insultos e ameaças e notícias falsas. “Esta é nossa realidade. As redes sociais acabam por não ter o papel que têm em outros lados do mundo”, afirmou o bastonário da Ordem dos Jornalistas, António Nhaga.

Considerado um dos países mais pobres do mundo, apesar de ter todas as condições para ser um Estado próspero, a Guiné-Bissau vive desde os anos 80 constantes crises políticas, que têm tido grande impacto no bem-estar da população e no desenvolvimento. Por mais de uma vez a comunidade internacional fala num Estado dominado pela corrupção e de manter ligações ao tráfico de droga e ao branqueamento de capitais.

O Estado emprega cerca de 3 por cento da população e mais de 80 por cento depende da agricultura para sobreviver, sobretudo da campanha de caju, o principal produto de exportação do país e motor da economia.

Cosmética da ONU

Segundo Rui Landim, a comunidade internacional nunca tomou medidas de fundo no país, optando sempre por “cuidados paliativos”. A “ONU tem uma missão no país há 20 anos e nada. Era para fazer a reforma do Estado, incluindo justiça e setor de defesa e segurança, mas nada disso se fez, foram feitas ações de cosmética, mais para justificar a permanência”, afirmou.

A Missão Integrada da ONU para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau termina no final deste ano, sem conseguir pôr fim à recorrente instabilidade política no país. 

“O Conselho de Segurança tem de tomar conta do dossiê da Guiné-Bissau, que está numa situação grave e que se justifica porque ao fim de 20 anos é preciso pôr termo a isto”, concluiu. 

Marisa Serafim ou Mussá Baldé 13.03.2020

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