Em cadeia

por Arsenio Reis

Numa cultura política como a chinesa moldada numa lógica de planeamento, de longo-prazo, não é fácil gerir uma situacão como a que vivemos. Não há bolas de cristal que resistam à imprevisibilidade que o surto do novo coronavírus traz à economia da China e, cada vez mais, às economias à escala global. Isto reflete-se com maior incidência os países e cidades mais dependentes da mobilidade e turistas, como está a acontecer em Itália. Mas não subavaliemos a força do “efeito de borboleta” num mundo de economias entrelaçadas e interdependentes numa fase da globalização em que a China se tornou num polo absolutamente essencial na cadeia de produção internacional. É neste contexto – interno e externo – que se deve também entender a retoma parcial da produção industrial na China. Certo é que perante esta realidade, as grandes empresas – nomeadamente as multinacionais – tenderão a procurar “localizar ou regionalizar” as cadeias de produção, na medida em que isso seja económica e tecnologicamente viável.

Há quem antecipe assim que esta crise que estamos a viver sinaliza uma viragem rumo à “desglobalização”, na medida em que acentua os riscos relacionados com a mobilidade, fronteiras abertas, investimento externo e dependência face a terceiros. Num futuro mais distante, quiçá os historiadores olharão para este tempo, integrando as pulsões protecionistas que fazem caminho e que têm em Washington , na Casa Branca, o seu “cheerleader” e o recrudescimento do nacionalismo e xenofobia, quer do ponto de vista reativo como proactivo. O medo, real ou imaginário, é o maior aliado dessa “desglobalização”. O coronavírus traduz um risco visível a olho nú, que é cavalgado por quem vem defendendo a necessidade de se erguerem muros de betão, culturais ou tecnológicos.

Levada ao extremo a prevenção vertida em paranoia pode levar ao cenário descrito pelo sociólogo italiano Ilvo Diamanti. Para nos defendermos contra o vírus, teremos que nos defendermos do mundo, escondidos em casa – isolados – para não morrermos contaminados pelos outros, correndo o risco de morrer de solidão. A hipérbole de Diamanti projeta uma imagem que, para a sociedade, as famílias e os indivíduos, constitui um risco ainda maior que o próprio vírus.

É importante, por isso, não sucumbir à ilusão da “desglobalizacão”, melhorar os mecanismos de cooperação governação global ao nível da saúde pública e construir em conjunto uma fórmula mais sustentável, equilibrada e humana. Em cadeia.

José Carlos Matias 28.02.2020

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