“Não antevejo qualquer pressão acrescida”

por Arsenio Reis

Rita Wong e Albert Chu inauguraram a Cinemateca Paixão. Nos últimos três anos, criaram uma alternativa no espaço vizinho das Ruínas de São Paulo, que se tornou incontornável para os amantes de cinema independente. O contrato de três anos terminou em 2019 e a nova concessionária, que vai ser decidida através de concurso público, começará oficialmente em agosto e tem validade até julho de 2023. Wong e Chu consideram ser o par ideal para continuar porque, defendem, há que sedimentar o que foi feito. Apesar da insistência do novo Chefe do Executivo na poupança e patriotismo, a dupla não antecipa obstáculos ao trabalho que tem feito, incluindo na liberdade que, realçam, sempre gozaram.

– Como se chegou ao ponto de estar quase a terminar o contrato de concessão da Cinemateca com a vossa associação, a Audiovisual Cut,

e não haver um novo concurso, anunciado só na passada semana?

Albert Chu – Todos os meses reuníamos com o Instituto Cultural. No início do ano passado começámos a abordar a questão da continuidade.  Até setembro, outubro percebemos que seria difícil mantermo-nos. Só soubemos a 20 de dezembro do ano passado qual seria o próximo passo. 

– Foi desleixo, desorganização? Sentiram que havia a intenção de encerrar a Cinemateca?

A.C. – Não acho que houvesse essa intenção. Nunca se falou nessa possibilidade. 

– Rita, disse numa entrevista que: “Não deveria haver qualquer extensão, mas um novo contrato, para assegurarmos o funcionamento da Cinemateca por mais três anos”. Porque não faria sentido estender-se o contrato se considera que têm feito um bom trabalho?

Rita Wong – Um concurso público pressupõe um contrato de alguns anos, por norma mais três ou quatro. Estávamos à espera de um novo concurso em 2019, para que, quando o antigo contrato terminasse, continuarmos o trabalho que temos feito, se ganhássemos. Um concurso público implica uma concessão por um longo período de tempo o que não acontece quando há uma extensão que, por norma, é por um período bastante curto. 

– É só uma questão de duração?

R.W. – Tendo em conta que o nosso trabalho exige uma organização com alguma antecipação – por exemplo em termos de colaborações e parcerias -, saber que podemos trabalhar por um longo período, facilita bastante. Era isso que queria dizer. Claro que a solução que se arranjou entretanto é melhor, a de estender a concessão para que a Cinemateca nunca chegue a fechar portas entre contratos. 

– Disseram que iam submeter uma nova proposta para o novo concurso. Têm ideia do que irão apresentar agora que os critérios já são conhecidos?

R. W. – Não é apropriado divulgarmos detalhes por enquanto, mas já temos um plano. 

– Porque consideram ser os indicados para continuar à frente da Cinemateca?

A.C. – Nos últimos três anos, fizemos várias coisas. É importante que um projeto tenha a mesma equipa durante um período largo, cinco ou seis anos já faz diferença. Dois mandatos é o tempo ideal para consolidar e definir uma direção. É por isso que seria bom continuarmos, para dar continuidade ao trabalho dos últimos três anos.

R.W. – Nos primeiros três anos, concentrarmo-nos em criar as bases da Cinemateca, que não existia. No segundo ano, já houve um aperfeiçoamento no sentido de nos colocarmos no mercado, conhecermos a nossa audiência e também o que os realizadores procuravam. O segundo período vai-nos permitir aprofundar estas áreas. 

– Que balanço fazem destes três anos?

A.C. – Pelo menos, demos ao público uma segunda opção. Essa é uma das nossas conquistas. Também organizámos workshops, palestras, e criamos condições para que se aprendesse mais sobre cinema e a indústria.

R.W. – Sabíamos que havia uma audiência em Macau que gosta de um estilo de cinema diferente e que ia a Hong Kong para ver esses filmes. É importante haver oferta de cinema indie e artístico no sítio onde vivemos, além do comercial. Por outro lado, criámos a secção Macau Film Panorama, cujo enfoque é o cinema local. A Cinemateca tornou-se um espaço onde se pode conhecer o cinema local e onde as diferentes partes se encontram. Fizemos um bom trabalho ao nível da divulgação e exportação das produções locais, levámos filmes daqui a Taiwan, Hong Kong, China, Portugal. Antes, o contrato com o cinema local era esporádico. 

– E falhas?

R.W. – Gestão da oferta, por exemplo. No primeiro ano, organizámos dez festivais. Nos segundo e terceiro anos, organizámos nove. É sempre bom ter uma oferta grande, mas sentimos que por vezes era tudo muito seguido. Temos de melhorar o intervalo entre programas e fazer mais promoção de cada um. 

A.C. – Diria que outro desafio é o de conseguir alargar a audiência, conseguirmos cativar um público mais jovem. 

– Uma das grandes apostas do passado Governo foram as indústrias criativas. Que balanço fazem da evolução do cinema local?

A.C. – Ao nível de produção, há cada vez mais pessoas. Também sentimos que há cada vez mais gente interessada na realização, organizamos vários workshops e estavam sempre cheios. 

– Até que ponto, o facto de haver muitos apoios públicos não acaba por levar à falta de critério e excelência na indústria local?

A.C. – Fazer alguma coisa é sempre melhor que não fazer nada. Conheço realizadores que teriam dinheiro para filmar e não o fazem porque não se sentem ainda capazes para avançar, mesmo que tenham os apoios que o Governo oferece. Por outro lado, e como aconteceu noutros sítios, até se atingir o bom é normal que haja muitos trabalhos menos bons ou maus. 

R.W. – É verdade que às vezes há algum amadorismo, mas nota-se uma diferença significativa nestes últimos anos. Há problemas, por exemplo ao nível do argumento, e é por isso que temos workshops, para que aperfeiçoem as áreas em que não são tão bons. 

– Notam alguma tendência ao nível de perspetiva e temas?

R.W. – Difere muito. Sinto que, desde que se deram os primeiros passos, há dez anos, andavam muito à volta de temas relacionados com a sociedade, depois passaram a focar-se mais no pessoal, e agora é bastante diverso.

-Fala-se do público de Macau como sendo mais apreciador de uma cultura de massas e comercial. Se assim é, como se explica o sucesso da Cinemateca, que esgota sessões com frequência?

A.C. – Hoje, o cinema independente é bastante diverso. Há casos em que já se aproxima muito do comercial, apesar de ter sempre uma mensagem forte. Tudo depende da seleção que fazemos. 

– Mas a vossa programação centra-se bastante em realizadores de cinema independente. Ainda há pouco, tiveram uma secção dedicada a Roy Anderson, desconhecido em geral. 

R.W. – Quando escolhemos, tentamos encontrar um equilíbrio. Há escolhas difíceis como foi a do festival de cinema africano “Black is Beatiful”, só com filmes de realizadores afro-americanos. Foi difícil porque eram desconhecidos para a audiência de Macau. As histórias podiam parecer distantes, ainda que ache que são histórias universais e que é importante sermos mais ousados. Tentamos sempre encontrar um equilíbrio. Por exemplo, escolhemos passar Roy Anderson em 2019 e não em 2017. Sabíamos que tínhamos de preparar a audiência para filmes mais complexos. É um processo. Somos a primeira Cinemateca em Macau e temos muito caminho pela frente para apanhar os outros. 

A.C. – Ajuda bastante sermos financiados pelo Governo. Dá-nos liberdade para arriscarmos e fazermos este tipo de escolhas.

– Focou a questão do dinheiro. O despesismo tem sido uma das tónicas do novo Chefe do Executivo. Temem que a preocupação em poupar dificulte o trabalho da Cinemateca? O Instituto Cultural já disse que vai cortar nos custos.

R.W. – Tenho sempre em mente a questão do dinheiro. O lucro não é a nossa prioridade, mas o empenho e trabalho são enormes. Queremos que esse esforço seja eficiente e efetivo , e como tal queremos audiência. 

– Consideram suficientes os orçamentos dos últimos três anos?

A.C. – Nunca é suficiente. Mas quando submetemos a candidatura ao concurso, tivemos de fazer uma proposta orçamental e estamos dentro desses limites. Agora, no segundo concurso, a concessionária também vai ficar responsável pela casa em baixo, dedicada a exposições. 

– Outro dos pontos que Ho Iat Seng tem insistido é o do patriotismo. Temem que este apelo possa condicionar a liberdade na programação, e alguma pressão numa maior aposta no que é nacional e acrítico?

R.W. – Sempre passámos cinema chinês. Trabalhamos com curadores da China continental. Depende. Se são bons filmes, passamos. O mercado chinês é bastante grande e há muita qualidade. Não há nenhuma barreira. 

– Vão passar a lidar com um novo Chefe do Executivo e secretária para os Assuntos Sociais e Cultura. Antecipam mudanças, negativas ou positivas?

R.W. – Sempre trabalhámos com bastante liberdade. Sempre apreciaram o nosso trabalho e o que selecionámos. Sempre houve boa comunicação. Não antevejo qualquer pressão acrescida. 

Catarina Brites Soares 31.01.2020

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