O “homem de ferro” forjado no Brasil

por Arsenio Reis

Foi no Brasil, onde estudou e treinou durante cinco anos, que Li Tie lançou as sementes de uma carreira de futebolista que o levou à Primeira Liga inglesa. O antigo médio foi escolhido na semana passada para tentar levar a China ao Mundial de 2022 no Qatar.

Entre as muitas fotos que Li Tie colocou na mais popular rede social chinesa, Sina Weibo, uma mostra o novo selecionador chinês de futebol masculino com o pai e a filha, na casa onde cresceu, em Shenyang. Por cima do sofá da sala de estar, vê-se uma foto com 22 miúdos, prontos para um treino de futebol.

Podia ser uma partida qualquer, mas esta é a equipa jovem da Jianlibao, que a 14 de novembro de 1993 partiu para o desconhecido. Li Tie, então um franzino de 16 anos, fazia parte do grupo enviado para o Brasil, numa tentativa de acelerar o desenvolvimento do futebol chinês.

“O Brasil produziu tantas estrelas mundiais. O Rei do futebol, Pelé, é brasileiro”, disse na altura o adolescente. “Eu venho [da província] de Liaoning, onde o futebol está ainda a um nível básico”.

“Vou agora treinar para o Brasil e durante tanto tempo. Quero aproveitar ao máximo esta oportunidade. Os meus colegas têm muita inveja de mim; tenho de treinar no duro”, afirmava Li Tie ao Diário de Guangzhou.

Foi numa quinta abandonada a 60 quilómetros de São Paulo que a equipa da Jianliabao montou a base para os cinco anos seguintes. Foram os próprios jovens que arrancaram as ervas daninhas de um terreno baldio para o transformar num campo de treinos.

“Ao serviço do futebol”

Numa cerca escreveram com tinta vermelha um lema: “A pátria do futebol cria estrelas da bola; aprender com elas ao serviço do futebol chinês”. “Nessa altura era essa a nossa motivação para jogar futebol. Queríamos mesmo aprender com o país do futebol para depois voltar à China e ajudar o futebol chinês”, recordou Li Tie em 2011, numa outra entrevista ao Yangcheng Evening News.

Em pouco mais de dois anos, a equipa disputou 165 partidas um pouco por toda a América do Sul, registando 110 vitórias e apenas 30 derrotas. Em 1995, a Jianliabao regressou à China, onde derrotou várias equipas da primeira divisão.

No início de 1997, com apenas 20 anos, Li Tie fazia a estreia pela seleção principal chinesa, juntamente com mais três colegas de equipa. Um ano depois, o jovem liderou os sub-21 chineses até ao quarto lugar no Torneio de Toulon, incluindo uma vitória frente a Portugal e um empate com o Brasil.

O pico da carreira de Li Tie chegou no Verão de 2002, quando a China participou pela primeira vez no Campeonato do Mundo de Futebol, conquistado pelo Brasil, treinado por Luiz Felipe Scolari. Seguiu-se uma transferência para o Everton, da Primeira Liga inglesa, onde o centro-campista conquistou um lugar como titular.

Segunda vida

A segunda vida de Li Tie, como treinador, começou a ganhar forma ainda no Brasil. O capitão tirava todos os dias notas sobre os treinos e os jogos, referiu em 2011 ao Yangcheng Evening News o treinador da equipa da Jianlibao, Zhu Guanghu.

Após deixar de jogar aos 33 anos, Li Tie passou quase de imediato a adjunto do italiano Marcelo Lippi na equipa campeã chinesa, o Guangzhou Evergrande. Permaneceu na equipa técnica mesmo após Lippi ser substituído pelo também italiano Fabio Cannavaro e depois, curiosamente, por Luiz Felipe Scolari.

Quando o brasileiro chegou a Guangzhou, Li Tie era já visto como um potencial treinador principal. Scolari encarregava regularmente o adjunto de transmitir diretamente as instruções aos jogadores chineses, sem recorrer ao tradutor da equipa.

Já em 2011 que Li Tie não escondia ter como objetivo de vida tornar-se selecionador nacional no espaço de 15 anos. O jovem treinador chinês foi escolhido por um grupo de trabalho formado pela Associação Chinesa de Futebol, curiosamente liderado por Zhu Guanghu, o homem que em 1993 o levou para o Brasil.

Aliás, os comentadores desportivos chineses sublinharam que, por saber falar português e inglês, Li Tie não terá problemas em comunicar com os dois jogadores naturalizados da seleção nacional: o brasileiro Elkeson e o inglês Nico Yennaris (ver caixa).

A China está em desvantagem na qualificação para o Campeonato do Mundo de Futebol marcado para 2022 no Qatar, mas Li Tie não desiste. “Se o conseguir fazer, sinto que a minha carreira estará completa”, realçou o treinador. 

Ligações lusófonas

Aproveitando o nome de Li Tie, que em chinês significa “ferro”, os adeptos rapidamente decretaram nas redes sociais chinesas que a primeira convocatória do novo selecionador, divulgada também na semana passada, era o início da “Era de Ferro” para o futebol chinês. O sino-brasileiro Elkeson é a principal estrela da seleção, mas a lista com 27 nomes foi uma surpresa para muitos adeptos, que esperavam ver mais jogadores naturalizados incluídos. Isto após a imprensa chinesa ter noticiado que os brasileiros Ricardo Goulart, Ivo e Aloísio, o inglês Tyias Browning, e o luso-cabo-verdiano Pedro Delgado – antigo jogador do Sporting Clube de Portugal, agora no Shandong Luneng – já tinham completado os procedimentos burocráticos. Ainda assim, Li Tie não fechou a porta a novas naturalizações. “A porta da seleção nacional está a aberta a todos.

Não interessa se é um jogador chinês local ou um jogador naturalizado. Só tenho uma condição – tem de ser um bom jogador”, sublinhou o treinador. A convocatória de Li Tie inclui mais um jogador com ligações lusófonas. O capitão Yu Dabao, que esteve nos quadros do Benfica como um promissor avançado, é agora o principal defesa central da equipa chinesa. Fora da lista ficou Wei Shihao, extremo que passou por vários clubes portugueses (Boavista, Feirense e Leixões) e que tinha sido chamado por Li Tie para o Campeonato de Futebol do Leste da Ásia, que decorreu no mês passado.

Vítor Quintã 10.01.2020

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