Depois de Jomav, a vez de Sissoco

por Arsenio Reis

Umaro Sissoco Embaló, candidato do Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15), venceu as eleições presidenciais da Guiné-Bissau.

Segundo os resultados apresentados pela Comssão Nacional de Eleições, Umaro Sissoco Embaló foi eleito com 53,55 por cento  dos votos. A impugnação dos resultados pelo adversário, Domingos Simões Pereira, pode prolongar a crise institucional no país.

Foi a primeira vez que um presidente terminou o mandato na história democrática da Guiné-Bissau, cedendo o lugar a outro, e a segunda que o partido que fez a independência não consegue ter o lugar de chefe de Estado. A primeira vez, em 2000, Kumba Yalá venceu com um apoio étnico evidente e beneficiando do desgaste do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Hoje, Sissoco Embaló ganha a partir de uma dissensão dentro do partido que criou o Madem – G15, a força política com maior crescimento no país. 

Em março, nas legislativas, o Madem – G15, liderada por Braima Camará, foi a segunda força mais votada e agora Sissoco Embaló, de 47 anos, é o novo presidente depois de ter obtido 27 por cento dos votos na primeira volta, duplicando os pontos percentuais no segundo turno. 

“Sou vencedor. As eleições para mim são para ajudar a Guiné-Bissau e é para ajudar a Guiné-Bissau”, afirmou Sissoco, que promete não excluir os derrotados do poder, num sinal de que poderá manter o Governo de Aristides Gomes (PAIGC). “Como não tenho compromissos, não tenho nada a pagar”, acrescentou.

“A força da verdade está comigo. A política não se faz com mentiras ou com ambições escondidas. Lutamos sempre por este país que nunca será posto na penhora e à venda”, acrescentou Umaro Sissoco, que teve como um dos principais argumentos de campanha a oposição à presença de militares estrangeiros no país. 

Desde 2012 que a Guiné-Bissau tem estacionada uma força internacional (Ecomib) mas Umaro Sissoco deverá agora ser consequente com o que prometeu em campanha.  “Com a minha eleição, já não haverá mediação e sobretudo de um presidente que é um presidente assassino”, disse, referindo-se ao presidente da Guiné-Conacri, Alpha Condé, que tem mediado a crise política na Guiné-Bissau.

A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) tem mediado a crise política na Guiné-Bissau desde 2016. Alpha Condé, nomeado para liderar a mediação, tem sido criticado pela oposição guineense pela forma como tem reprimido manifestações contra uma alteração à Constituição do país para cumprir um terceiro mandato.

“Para mim seria uma ofensa à Nação guineense, um presidente que deu golpe constitucional no país, mudar a Constituição para fazer um terceiro mandato, um homem já de 90 anos, não tem moralidade para ser mediador na Guiné-Bissau”, afirmou Umaro Sissoco Embaló. Com a eleição presidencial, “a Guiné-Bissau não será província, porque é uma Nação, é um Estado”, disse.

“Assim que tomar posse vou agradecer a mediação da CEDEAO e exigir a retirada da Ecomib. Aqui não temos crise e quero ajudar os nossos irmãos do Burkina-Faso e do Níger na luta contra o terrorismo”, salientou.

Em relação a Portugal, o antigo primeiro-ministro afirmou que tem uma excelente relação e defendeu que representa uma “porta de entrada para todos os países da União Europeia”, tal como a Guiné-Bissau representa para Lisboa uma “porta de entrada estratégica para a CEDEAO”. Por isso, “sempre que for convidado para ir a França, qualquer país da União Europeia, tenho de concertar com Portugal. Isso é uma questão estratégica. E Portugal também. Não podem ir para o Senegal, Costa do Marfim ou Nigéria sem concertar connosco”, avisou.

Riscos de extremismo

Sempre de lenço islâmico na cabeça, o ‘kahala’ já se tornou num símbolo de ‘marketing’ de Sissoco Embaló e muitos milhares de guineenses usaram o pano como sinal de apoio ao candidato. O sinal evidente de islamização é um dos exemplos de uma postura mais étnica e divisiva, segundo muitos críticos. Para o analista Rui Jorge Semedo foi visível durante a campanha uma estratégia que pode fragmentar a sociedade da Guiné-Bissau.

“No geral, do ponto de vista da interação entre candidato e eleitores, acho que foi positivo. Não houve confrontos ou qualquer coisa que possa colocar em risco o normal funcionamento” do país, referiu o analista, admitindo que houve “alguns excessos” na mensagem de alguns protagonistas. “Outra coisa que foi muito visível é a estratégia que pode provocar alguma fragmentação no tecido sócio-cultural e religioso guineense”, salientou Semedo. 

“Acho que o Estado da Guiné-Bissau no âmbito das reformas previstas, nomeadamente lei eleitoral e partidos políticos, tem de observar estes comportamentos e ver a possibilidade de legislar para evitar que esta situação continue nas próximas eleições, porque se continuar pode ser muitíssimo perigoso para os esforços de consolidação da unidade nacional”, alertou.

Sissoco Embaló, fula e muçulmano, tem sido acusado de usar a etnia e a religião para mobilizar apoios e de estar a criar divisões. O candidato recusa as acusações: “Penso que as pessoas mais democratas, não sei se infelizmente para mim, são os fulas. Sou de etnia fula, por parte do meu pai, e os fulas se fossem como os balantas e as outras etnias ganhava logo na primeira volta”, afirmou, quando questionado sobre se a questão étnica foi importante para a eleição.

“Mas se os fulas fossem tribalistas não iam votar Domingos Simões Pereira, porque Domingos Simões Pereira é uma pessoa que não gosta dos fulas e ele é que arregimentou o tribalismo, o ódio e a divisão no seio da sociedade guineense”, acrescentou, relativizando também as questões religiosas.

“Não sei quem é que tem fundamentalismo religioso. Quem é muçulmano é terrorista? Mas quero perguntar só uma coisa. Acha que um fundamentalista ia casar com uma católica praticante?”, sublinhou. 

“O que me interessa é a paz e a concórdia para a Guiné-Bissau. Nós não podemos fazer uma Nação excluindo as pessoas por serem muçulmanas ou balantas”, realçou, admitindo que as questões étnicas, religiosas e de representação de territórios devem ser elementos para a escolha de governantes porque “toda a gente tem de se sentir representada”.

“Antes de nomear um Governo, o primeiro-ministro tem de me mostrar esses critérios que para mim são fundamentais, religiosos, étnicos e provinciais. Assim é que vou funcionar”, afirmou. 

PR despede-se com sentido de dever cumprido

Na despedida, dois dias depois das eleições, o presidente cessante, José Mário Vaz (conhecido entre os guineenses como Jomav), disse que estava a passar o testemunho a uma nova geração de políticos. Quarto classificado na primeira volta, Jomav deu o apoio a Sissoco, que havia escolhido para seu primeiro-ministro.

Para José Mário Vaz, a Guiné-Bissau tem de ser “de todos e para todos, e os recursos públicos não podem pertencer a uma minoria que se aproveita deles em prejuízo da grande maioria”.

“E deixo um apelo aos futuros dirigentes e aos jovens deste país: defendam sempre o que nós temos de mais valioso, a nossa soberania, a memória dos nossos heróis e mártires, o respeito pela nossa Pátria, bandeira, hino, a nossa dignidade e a nossa independência. Sem soberania e dignidade um povo não tem nada”, defendeu, mostrando-se tranquilo com o mandato, apesar das queixas do PAIGC e das relações difíceis com Domingos Simões Pereira.

“Agi sempre no exclusivo interesse da Pátria e dos meus concidadãos, sem atender a interesses que lesam a nossa soberania e as leis do nosso Estado”, referiu. O presidente cessante considerou ainda que deixa um legado de liberdade de expressão, de respeito e tolerância, “sem abusos de poder, sem espancamentos, sem crianças órfãs e mulheres viúvas por razões políticas, sem sobressaltos, sem golpes de Estado, sem o barulho das armas, sem levantamentos militares”.

Paulo Agostinho | Exclusivo Lusa/Plataforma Macau 03.01.2020

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