Segunda volta para um novo país

por Arsenio Reis

A Guiné-Bissau vai a votos no último domingo do ano depois de as eleições presidenciais de 24 de novembro não terem sido conclusivas. Nenhum candidato teve maioria absoluta dos votos e a segunda volta será discutida entre Domingos Simões Pereira, o líder do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), com 40,1 por cento dos votos, e Umaro Sissoco Embaló, apoiado pelo Movimento para a Alternância Democrática (Madem – G15), com 27,6 por cento. 

O Madem – G15 nasceu de uma cisão dentro do PAIGC e Umaro Sissoco Embaló foi dirigente do partido. A divisão no PAIGC foi evidente nas eleições, com quatro dos cinco primeiros classificados na primeira volta a terem ligações ao partido. No último dia de campanha, alguns dos candidatos que ficaram abaixo do primeiro classificado, Domingos Simões Pereira, assinaram um acordo em que se comprometiam a combater coesos, na segunda volta, o líder do PAIGC. 

Na ocasião, Domingos Simões Pereira respondeu que se tratava de um sinal do “sentimento de derrota” dos adversários. Depois das eleições, a sua candidatura já enviou cartas a pedir apoio na segunda volta a um dos parceiros de coligação de Governo – a Assembleia Povo Unido (APU – PDG) – cujo líder, Nuno Nabian, assinou um acordo contra Domingos Simões Pereira.

A situação política tensa no país agravou-se nas últimas semanas depois de ter sido nomeado um novo Executivo pelo presidente que o partido maioritário no parlamento, o PAIGC, e a comunidade internacional recusaram. 

José Mário Vaz, presidente e recandidato ao cargo (que não conseguiu ir à segunda volta), tem sido o fator constante da instabilidade política na Guiné-Bissau nos últimos anos. Em cinco anos, teve nove primeiros-ministros e mesmo depois de o PAIGC ganhar as eleições em março recusou nomear  Domingos Simões Pereira para primeiro-ministro, obrigando o partido a indicar outros nomes. Acabou por chegar a acordo com o atual primeiro-ministro Aristides Gomes. 

Em junho foi-lhe ordenado pelos parceiros internacionais que convocasse eleições presidenciais (apesar de o mandato já ter expirado) e em outubro, em plena campanha eleitoral, nomeou um Governo que não tinha maioria formal no parlamento e que foi contestado por toda a comunidade internacional. 

Só após muita pressão e depois de os militares terem dito que não iriam intervir para impor os governantes nomeados no lugar dos que estavam em funções é que José Mário Vaz (conhecido como Jomav, o nome da sua empresa) recuou.

Apesar da tensão política e institucional existente, as eleições decorreram com normalidade. A direção de campanha de Domingos Simões Pereira expressou, após as eleições, “o contentamento pelo elevado grau de civismo que foi demonstrado no ato de votação pelo povo guineense, facto que contribuiu para o bom desenrolar das eleições presidenciais”. 

Já a candidatura de Umaro Sissoco Embaló considerou que a responsabilidade do povo guineense contribuiu para que “as eleições presidenciais decorressem num clima de paz e tranquilidade”.

Os olhos do mundo estavam focados no país. A presença de um forte contingente internacional e o impasse político em que a Guiné-Bissau esteve mergulhada para tal contribuíram. Após as eleições de domingo, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) considerou que a votação se realizou “num clima de calma e cordialidade” e que os incidentes registados não puseram em causa o processo. 

Para o resultado final das eleições, muito vai contribuir, diz o sociólogo guineense Miguel de Barros, os alinhamentos partidários e o carisma dos dois nomes que chegam à reta final. Os “candidatos exploram ao máximo aquilo que a sua figura possa representar”, com uns a escolherem a bandeira da estabilidade, outros da paz, do futuro ou do resgate da dignidade internacional do país “porque cada um entende que é dentro desse âmbito que o carisma pode ser o elemento determinante do comportamento eleitoral”.  

Para o analista, estas eleições “são especiais” porque acontecem “num contexto de maior dinamismo político” e porque a sociedade civil está “muito mais atenta, muito mais interventiva, não apenas no sentido da fiscalização, mas também do protesto público de rua e ao mesmo tempo de vigilância” na “desconstrução do discurso político ao nível das redes sociais”. 

Desafios económicos

Seja quem for o presidente, há algo que a Guiné-Bissau vai enfrentar: um clima económico adverso. O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) considera que a instabilidade política e a volatilidade dos preços do caju tornam as previsões sobre a Guiné-Bissau muito difíceis, antecipando crescimentos de apenas cinco por cento nos próximos dois anos.

“A perspetiva de evolução económica é altamente incerta devido à instabilidade política e à volatilidade dos preços do caju, a maior fonte de rendimento para mais de dois terços dos agregados familiares”, lê-se na mais recente avaliação do BAD à economia guineense.

Além destas dificuldades, as previsões dos técnicos do principal banco de desenvolvimento em África também são arriscadas “devido à instabilidade bancária, aos preços do petróleo superiores às previsões e à grande dependência da agricultura que pode ser prejudicada por fenómenos climatéricos adversos”.

A Guiné-Bissau “enfrenta problemas profundamente enraizados de fraca governação e corrupção, que precisam de ser tratados para permitir que realize o seu potencial económico e melhore os padrões de vida da população”, refere Concha Verdugo-Yepes, que liderou uma equipa do Fundo Monetário Internacional (FMI) que esteve em Bissau desde 18 de setembro até ao princípio de outubro para fazer uma avaliação às vulnerabilidades da governação no país.

Durante a estada em Bissau, a equipa do FMI reuniu-se com as autoridades políticas, representantes da comunidade internacional, sociedade civil e setor privado para fazer um diagnóstico preliminar às fraquezas de fiscalidade, regulação de mercado e combate à corrupção e branqueamento de capitais. 

Exclusivo Lusa/Plataforma Macau

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