Ung Vai Meng e Chan Hin querem “recuperar um Macau que vai deixando de existir”

por Arsenio Reis

Ung Vai Meng e Chan Hin querem “Recuperar um Macau que vai deixando de existir”. Os artistas locais Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io inauguram uma exposição em Portugal na próxima quarta-feira. “(Des)Construção da Memória” é um trabalho do colectivo YIIMA que procura “recuperar um Macau que vai deixando de existir”.

40 obras. Cinco salas. Dois artistas locais conceituados que desta vez assinam em conjunto. YIIMA, o colectivo que criaram em conjunto, inaugura a 6 de novembro, quarta-feira, a exposição “(Des)Construção da Memória”, no Museu Berardo com a curadoria de João Miguel Barros. No prefácio do catálogo da exposição, os artistas terminam dizendo: “O trabalho tem em vista recuperar um Macau que vai deixando de existir”.

“É dito com resignação de que as sociedades evoluem. Mas também é verdade que não havendo neles uma nostalgia, muitas vezes há um sentido de perda muito acentuado. É preciso preservar o património e os dois têm uma preocupação muito grande e evidenciada da necessidade de o preservar. Muitas destas imagens refletem momentos, lugares que se perderam que são património de Macau. Aí a resignação, provavelmente, está mais ligada à impotência”, explica João Miguel Barros, em entrevista ao PLATAFORMA.

O curador dá como exemplo o capítulo dedicado à central térmica da Ilha Verde. “O registo feito retrata muito bem o que era aquela central e essa arquitetura industrial que se perdeu. Há resignação porque não houve capacidade de a preservar mas também há um grito de alerta para que se cuide do património e não se percam as tradições históricas de Macau. É isso que distingue Macau de uma outra qualquer cidade chinesa: os lugares, edifícios que são importantes e devem ser preservados”, sublinha.

A exposição está estruturada em cinco partes: “Memória”, “Ritualismo”, “Leveza”, “Cerimónia” e “Paraíso” que, explicam os artistas, têm autonomia mas podem considerar-se como cinco pequenas narrativas inter-relacionadas. 

O antigo presidente do Instituto Cultural, Guilherme Ung Vai Meng, e Chan Hin Io aparecem sempre nas obras. “São o testemunho do tempo, e quem permite que estas memórias e lugares não caiam no esquecimento”, contextualiza Barros, que reforça: “Esta exposição resgata do esquecimento grandes memórias. É um trabalho que praticamente ninguém conhece, e que estão a fazer cá e noutros sítios como Portugal”.

A mostra assinala os 20 anos da RAEM e os 40 anos do restabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a China, uma coincidência feliz, diz João Miguel Barros que considera que lhe dá ainda mais carga simbólica. “É uma exposição muito importante”, realça.

O curador explica que se trata de uma exposição artística e não documental, apesar do passado estar em destaque. “Normalmente quando falamos do passado, da memória, dos sítios e dos locais, pensamos em fotos documentais. Esta exposição não é nada disso ou, pelo menos, não é só isso”, clarifica, acrescentando que os dois artistas têm trabalhado sobre as transformações sociais e económicas de Macau.

(Des)Construção em cinco passos 

A “Memória” é o primeiro e dá título à sala que terá uma série de imagens de temáticas “delicadas e historicamente mais sensíveis”. No prefácio do catálogo da exposição, os artistas referem que incluem cenas da realidade social e de reconstrução de acontecimentos passados de Macau. “Temos a expectativa de que os trabalhos deste módulo permitam pavimentar o caminho do conhecimento, de modo a que as ricas memórias de Macau, com séculos de história, se possam revelar plenamente”, realçam.

Segue-se a sala com o nome “Ritualismo”,  um espaço de memória constituído por fotografias que têm como denominador comum estruturas de bambu. Haverá imagens em grande escala e uma grande escultura de bambu que representa a síntese entre o túmulo octogonal existente no Mosteiro da Batalha e o estilo típico do pavilhão chinês. 

“Leveza” dá nome à sala central onde é apresentado um vídeo realizado numa sala secreta da cidade antiga de Macau. As canções de À Capella, interpretadas pelo Water Singers, serão a música de fundo. “Pretendemos simbolizar a relação difusa entre as pessoas, o tempo e o espaço e, em geral, todos os fatores que mutuamente se restringem e projetam”, escreve o coletivo.

A quarta parte da exposição centra-se na ideia da “Cerimónia”, e terá imagens registadas num espaço antes ocupado pela indústria e pelo comércio marítimo.”E que agora se encontra esquecido e abandonado. Através de uma série de rituais e de ações, convoca-se a adversidade e invoca-se o medo secular e sagrado”, lê-se no prefácio. 

“Paraíso” termina a exposição e, destacam os artistas,  talvez seja o núcleo mais relevante da mostra. Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io ressalvam que os trabalhos apresentados talvez não correspondam exatamente à ideia que os visitantes possam ter de Macau. Mas, ressalvam, em todas as cenas registadas cada detalhe é específico e autêntico. “O que torna os trabalhos ainda mais significativos é o facto de muitas das imagens apresentadas revelarem lugares que já não existem ou que foram destruídos. Eram lugares cheios de história, com muitas memórias por revelar, que só podem ser revisitados através do registo feito, com detalhe, e onde se preservou de forma rigorosa tudo o que existia no seu interior! Esses lugares são agora parte da nossa memória coletiva.”

Por agora, ainda não há certeza se a exposição virá a Macau como explica João Miguel Barros. “Se essa oportunidade surgir será considerada, até porque a exposição é importante para Macau. Mas a minha preocupação como curador está orientada no sentido inverso, a de levar artistas orientais a Portugal e, menos, a de trazer portugueses a Macau ou à China. É esta a terceira exposição de artistas chineses que levo a Portugal em dois anos. Começou com uma fantástica exposição do Lu Nan no Museu Berardo. Depois foi a do Yang Yankang na Galeria Chiado, da Fidelidade. E agora, de novo Museu Berardo, a do Ung Vai Meng e do Chan Hin Io.”A mostra estará patente até fevereiro, em Lisboa. 

Catarina Brites Soares 01.11.2019

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