“Não escondo que gostaria de ter uma iniciativa em Macau”

por Arsenio Reis

O reitor da Universidade de Lisboa (UL) assume que há conversas no sentido de reforçar a presença no território. António Cruz Serra, a ultimar o acordo com a Universidade de Xangai para a abertura de uma faculdade de engenharia conjunta na cidade, diz que o objetivo é arrancar em setembro. Ao PLATAFORMA garante que a nova escola será como uma instituição de ensino superior deve ser: um espaço de liberdade. 

– O que prevê o acordo com a Universidade de Xangai?

António Cruz Serra – Os acordos foram assinados. Agora estamos na fase de aprovação quer do Governo central, quer da agência de acreditação académica aqui em Portugal porque vão ser cursos em associação entre as duas universidades. O que significa que os alunos que terminarem a formação terão diplomas e certificados de ambas. O que está previsto, depois da aprovação, que esperamos que seja nos próximos meses, é que em setembro se iniciem os primeiros anos dos cursos de licenciatura em engenharia civil, eletrotécnica e de computadores, e do ambiente. 

– Mas já estão definidos detalhes?

A.C.S. – Vai haver um numerus clausus de alunos para cada curso. Esperamos ter 180 alunos a frequentar os primeiros anos dos três cursos. No ano seguinte, começarão a funcionar os três cursos de mestrado, com 30 alunos para cada curso, ou seja, 90 no total. As licenciaturas terão quatro anos e os mestrados dois. Quer num caso, quer no outro está previsto que os alunos passem um semestre em Lisboa no último ano do curso. A Universidade de Lisboa será responsável por um terço das disciplinas de especialidade das licenciaturas e por metade das disciplinas de mestrado. Os alunos são recrutados, no caso da UL, como se fossem alunos internacionais. No caso da Universidade de Xangai de acordo com as regras que tiverem em vigor na República Popular da China. 

– Tem metas pré-definidas?

A.C.S. – Aquilo que espero é que, ao fim de quatro anos, tenhamos todos os anos em Lisboa 240 alunos desta faculdade a frequentar a nossa universidade. Por outro lado, que tenhamos um número de alunos na nova escola que nessa altura já se aproximará dos mil. A primeira língua do curso será o inglês e a segunda o português, o que significa que os alunos têm cerca de seis disciplinas em português durante o curso. 

– Além dos três cursos previstos para o arranque. Há outras áreas na calha? 

A.C.S. – Com certeza. Estou convencido que, uma vez a operação em andamento e a correr bem, haverá o alargamento a outras áreas. A UL tem todas as áreas do saber que nos são permitidas pela lei em Portugal e tem uma capacidade muito grande. Temos cerca de 50 mil alunos, mais de 3500 professores e portanto temos condições para garantir a cooperação em muitas outras áreas. Será atraente fazer outros cursos em Xangai. Creio que irá acontecer mas é algo que irá sendo feito com o tempo  e um pouco em função dos desejos dos nossos parceiros da Universidade de Xangai. 

– Porquê esta aposta na China e em Xangai?

A.C.S. – Foi um bocadinho fruto das circunstâncias. Há uma lei na China para cooperação com universidades estrangeiras. Há um número muito limitado de universidades que são geridas em conjunto e que, fundamentalmente, têm sido parcerias entre universidades chinesas e americanas ou inglesas. Julgo que houve uma decisão, uma orientação no sentido de diversificar a cooperação. Houve um momento em que fomos convidados para fazer  a universidade conjunta com a de Xangai, tendo em conta que a Universidade de Lisboa é uma universidade de relevo e que conta com a vantagem dos séculos de cooperação, nomeadamente com Macau. Depois o projeto de Xangai ficou muito bem impressionado com a Universidade de Lisboa e a decisão foi no sentido de se criar uma faculdade por razões diversas que têm que ver com decisões políticas sobre o ensino universitário na China.

– Ficou satisfeito com o desfecho?

A.C.S. – É uma excelente conclusão do processo porque se traduz na criação de uma escola dentro de uma grande universidade chinesa. A decisão de criar uma faculdade deve-se à possibilidade de os nossos alunos e docentes estarem em contacto com a equipa e alunos da universidade.

– Há mais planos de expansão na China e nesta zona do mundo?

A.C.S. – Temos sido abordados por outros parceiros. Estamos a analisar. Não escondo que gostaria de ter uma iniciativa em Macau ou próxima de Macau, mas neste momento é prematuro falar sobre o que vai acontecer porque há conversas mas ainda estamos numa fase muito preliminar. 

– Não pode adiantar pormenores?

A.C.S. – Estamos muito empenhados em que esta cooperação corra bem com Xangai e aprender como é que se gere uma operação que envolve a deslocação de professores. Tudo avançará em função daquela que for a nossa aprendizagem e dos problemas que vão surgindo que, naturalmente, serão problemas diferentes da gestão corrente e do dia-a-dia de uma universidade na Europa.

– Porque não houve ainda essa aposta em Macau, já que Portugal reitera com frequência o valor e importância da região? 

A.C.S. – Estas coisas decorrem dos projetos institucionais e das oportunidades das instituições locais. Há situações que podem ser muito interessantes do ponto de vista de uma universidade e não ser o momento adequado relativamente aos parceiros para avançar com propostas. Confirmo que temos relações muito estreitas com a Universidade de Macau e com outras instituições próximas de Macau, e que temos toda a disponibilidade para analisar aqueles que são os desejos e os anseios relativamente à cooperação. Veria com bons olhos que tivéssemos uma cooperação ainda mais forte com a Universidade de Macau (UM). 

– A que se refere?

A.C.S. – Desde há muitos anos que temos professores na UM, provavelmente nos últimos quase 30 anos. A cooperação com a UM, que se tem afirmado e que nalgumas áreas tem relevância, é muito importante para nós como Macau para Portugal, e para a Universidade de Lisboa que se afirma como uma universidade da língua portuguesa. Portanto Macau não poderia deixar de ser uma aposta estratégica.

– Como olha para a aposta crescente de instituições do ensino superior portuguesas no Continente?

A.C.S. – Esta iniciativa da UL na Universidade de Xangai é de um nível completamente diferente e não consigo enquadrar isso com cooperações que há aqui e que também temos com universidades chinesas, inclusivamente no âmbito da mobilidade. Neste momento, estamos a falar de uma operação que envolve mais de mil alunos em permanência, uma vinda anual de mais de 250 alunos, a ida de dezenas de professores da UL todos os anos a passar períodos em Xangai que serão no mínimo de dois meses. É uma cooperação diferente e que espero que tenha um impacto de outro nível relativamente a tudo o que foi feito. 

– Mas como vê a procura de parcerias na China continental e em Macau?

A.C.S. – As universidades portuguesas estão muito abertas à cooperação internacional. Neste momento, temos muitos alunos internacionais em Portugal. Creio que estamos com uma média, no conjunto do sistema, acima de 15 por cento. Muitos destes alunos são da Europa e de países de língua portuguesa. A intenção das universidades portuguesas é serem cosmopolitas e portanto terem cooperação com universidades de todas as partes do mundo e terem relações multilaterais. 

– Fechou um acordo com uma universidade chinesa. São frequentes as notícias sobre a limitação de liberdade académica na China, e inclusive de perseguição e afastamento de professores com opiniões críticas ao regime. Preocupa-o tendo em conta que a Universidade de Lisboa se afirma como um espaço de liberdade e de pensamento crítico?

A.C.S. – Já disse tudo. A Universidade de Lisboa é de facto um espaço aberto, de liberdade em que todos exprimem as suas opiniões, muitas vezes até contraditórias com aquilo que são as opiniões do reitor, dos diretores das faculdades ou do Governo. Aquilo que está previsto nos acordos que assinamos com a Universidade de Xangai é que não haverá nenhum comportamento nem nenhuma atuação de tipo político nos assuntos do outro Estado e que a formação que será ministrada nessa nova faculdade terá um caráter absolutamente ligado às áreas do saber sem nenhuma imposição de outro tipo. Temos é de montar a operação e ver no dia-a-dia como corre, e garantir que é feita com total liberdade, como deve ser, como a universidade é: um espaço de liberdade. 

Catarina Brites Soares 01.11.2019

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