Bolsonaro sem dúvidas sobre China

por Arsenio Reis

A visita do presidente do Brasil Jair Bolsonaro à China serviu para preservar o diálogo e dissipar o ambiente de desconfiança mútua. Analistas defendem que distanciamento do Governo brasileiro face à iniciativa chave da diplomacia chinesa – Uma Faixa, Uma Rota – impediu aprofundamento da relação.

Em entrevista à agência Lusa, Evandro Carvalho, professor visitante no Centro de Estudos dos BRICS da Universidade de Fudan, em Xangai, considera que Bolsonaro se limitou a “cumprir com os mínimos”, ao segurar as “pontes do diálogo” e “garantir os interesses económicos na relação com a China”.

O líder brasileiro absteve-se de referir a parceria estratégica global, cimentada pelas administrações anteriores, ou apoiar formalmente a iniciativa chinesa ‘Uma Faixa, Uma Rota’. Lançada em 2013, pelo presidente chinês, Xi Jinping, a iniciativa foi já inscrita na Constituição chinesa, sugerindo uma mudança radical na política externa de Pequim, que abdicou de um perfil discreto para assumir inédita assertividade.

Na visita a Pequim, Bolsonaro destacou a importância da parceria comercial com a China, durante um encontro com o homólogo Xi Jinping, mas absteve-se de participar na iniciativa chinesa ‘Uma Faixa, Uma Rota’. “Estava ansioso por esta visita, porque temos na China o nosso primeiro parceiro comercial, e interessa-nos muito fortalecer esse comércio”, afirmou Bolsonaro, acrescentando: “Hoje, podemos dizer que o Brasil precisa da China e a China também precisa do Brasil”.

Em 2018, as exportações para a China representaram 26,8 por cento do total das vendas do Brasil ao exterior e atingiram um pico de 64,2 mil milhões de dólares norte-americanos. 

Do Executivo brasileiro, no entanto, não houve referências à iniciativa chinesa ‘Uma Faixa, Uma Rota’, inscrito já na Constituição chinesa e que reflete uma mudança radical na política externa de Pequim, que abdica de um perfil discreto para assumir inédita assertividade.

Fonte da presidência brasileira admitiu à agência Lusa que há pontos de convergência entre a iniciativa chinesa e o programa de privatizações de ativos públicos do Governo de Bolsonaro, mas recusou que os dois países cooperem no quadro do projeto chinês. Bancos e outras instituições chinesas estão a conceder enormes empréstimos para projetos lançados no âmbito da iniciativa, que assenta no desenvolvimento de infraestruturas de conectividade. 

Pontos fracos

José Medeiros da Silva, doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e professor na Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang, no leste da China, diz à Lusa que “ficou claro” que a prioridade é a relação económica, mas “sem ceder apoio a questões estratégicas mais sensíveis”, incluindo a implementação da rede de quinta geração (5G) em parceria com o grupo chinês Huawei.

Washington tem pressionado vários países a excluírem a Huawei na construção de infraestruturas para a Internet do futuro, acusando a empresa de cooperar com os serviços de informação chineses. 

O país latino americano é um importante fornecedor de matérias-primas para a China, cujo apetite por soja, petróleo e minério de ferro brasileiros se multiplicou nas últimas décadas, face ao trepidante crescimento da economia chinesa.

Em 2009, juntamente com a Rússia e a Índia, os dois países formaram também o bloco de países emergentes, com uma agenda focada na reforma da ordem internacional, visando maior protagonismo do mundo em desenvolvimento em organizações como as Nações Unidas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Jair Bolsonaro, no entanto, tomou posse no início do ano com a promessa de reformular a política externa brasileira, com uma reaproximação aos Estados Unidos e pondo em causa décadas de aliança com o mundo emergente.

A eleição foi inicialmente recebida com apreensão pelas autoridades chinesas, também pela aproximação a Taiwan e críticas feitas ao investimento chinês durante a campanha. Mas após a tomada de posse, o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, visitou Pequim, numa “espécie de quebra-gelo” e para “desfazer mal-entendidos”, lembra Evandro Carvalho.

O analista revela que para ao contacto inicial “houve uma participação decisiva dos empresários brasileiros, sobretudo do setor agrícola, fazendo pressão sobre o Governo brasileiro para que não prejudicasse as relações”.

O ambiente de desconfiança mútua foi sendo atenuado pela visita subsequente de ministros brasileiros, e a postura de Bolsonaro em Pequim acabou por ser “muito boa”, face ao cenário que se desenhava, perante a retórica anti-China e anti-comunista, e ao alinhamento com os EUA, que passaram a encarar a potência asiática como rival estratégico.

Porém, para Evandro Carvalho, que é também professor de Direito Internacional na Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, a primeira visita de Estado “limitou-se a assegurar um certo grau de normalidade diplomática das relações bilaterais”, mas sem “aprofundar a relação”, devido “precisamente ao facto de o Brasil se ter mantido equidistante do projeto ‘Uma Faixa, Uma Rota’”.

O projeto inclui a construção de linhas ferroviárias, aeroportos, centrais elétricas e zonas de comércio livre, visando abrir novas vias comerciais e redesenhar o mapa da economia mundial. Mas o maior entrosamento entre Pequim e os mais de cem países envolvidos abarca também o ciberespaço, meios académicos, imprensa e comércio, numa altura em que os Estados Unidos de Donald Trump rasgam compromissos internacionais do clima à migração e comércio.

A nova vocação internacionalista de Pequim suscitou já divergências com as potências ocidentais, que veem uma nova ordem mundial ser moldada por um rival estratégico, com um sistema político e de valores profundamente diferente. 

No entanto, Xi Jinping enfatizou que o país mantém uma perspetiva “estratégica” e a “longo prazo” nas relações com o Brasil, lembrando que a emergência do mundo em desenvolvimento é uma tendência inalterável. O também secretário-geral do Partido Comunista Chinês frisou a importância das relações entre as duas potências emergentes, numa altura em que o mundo “enfrenta as mudanças mais profundas dos últimos cem anos”, e disse querer trabalhar com Bolsonaro para manter a estabilidade e prosperidade mundiais e regionais. 

João Pimenta 01.11.2019

Exclusivo Lusa/Plataforma

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