Coexistência pacífica

por Arsenio Reis

No final de 2016, pouco depois da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América, o consagrado jornalista de investigação australiano John Pilger lançava um novo documentário com um título que, por si, provocava calafrios: “The Coming War on China”. O 60o documentário do repórter que deu a conhecer ao mundo os primeiros sinais de genocídio no Camboja ou a brutalidade da invasão indonésia de Timor-Leste continha algo de premonitório. O trabalho retrata a forma como Washington tem encurralado militarmente a China, com particular incidência desde a Administração Obama, tendo essa tendência sido expandida em várias frentes com Trump. A “guerra comercial” iniciada pela Casa Branca é a mais saliente nos dias que correm, mas outras frentes têm emergido nesta rivalidade em larga escala, como por exemplo ao nível tecnológico, geopolítico, de investimentos, acesso a mercados e a financiamento. Tudo isto é música para os ouvidos do complexo militar-industrial dos dois lados, sendo alimentado pelos intelectuais e comentadores em Washington que vivem obcecados com “a próxima grande ameaça”: da ex-União Soviética ao Islão até a este perigoso “consenso” entre think tanks norte-americanos relativamente à China. A paranóia anti-China instalou-se de forma transversal nos EUA correndo o risco de se tornar numa profecia que se autorrealiza. Quem esfrega as mãos são os falcões em Washington e Pequim que, na verdade, fazem o jogo uns dos outros. Tudo isto é também terreno fértil para um certo nacionalismo chinês que comporta vários riscos. O académico norte-americano David Shambaugh argumenta – e bem – nesta edição que a China e os Estados Unidos não são inimigos. São competidores. É muito importante que os intelectuais não lancem gasolina para a fogueira das vaidades belicosas. Há um dever de responsabilidade e promoção da cultura para a paz por parte daqueles que ocupam o espaço público. E os responsáveis políticos em Washington e em Pequim devem ter a capacidade de saber ouvir e emendar os erros, tendo a consciência de que o confronto não é uma inevitabilidade; é antes uma escolha. Contrariamente ao que defende Trump, não é possível nem desejável desglobalizar. Há que corrigir os desequilíbrios numa perspetiva de interdependência económica e humana, justiça, desenvolvimento, sustentabilidade e coexistência pacífica. A comunidade de futuro partilhado da humanidade não é uma miragem.

José Carlos Matias 25.10.2019

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