“A submissão da comunidade internacional a Pequim é muito mais evidente agora”

por Arsenio Reis

A diretora da Human Rights Watch na China diz que a crise em Hong Kong deixou claro que a opressão de Pequim já deixou de afetar só o país. Em entrevista ao PLATAFORMA, Sophie Richardson assume que nunca pensou estar a discutir Hong Kong, a China e a censura por causa de posições da NBA, South Park e da Apple. O caos em Hong Kong, avisa, revelou que toda gente pode ser atingida por Pequim.

– No último relatório, a Human Rights Watch acusa o Governo central de perseguir e deter ativistas que apoiam o movimento pró-democracia em Hong Kong. Tem ideia de quantas pessoas foram perseguidas ou ameaçadas?

Sophie Richardson – Seria ótimo se soubéssemos. Mas não só muitos ativistas silenciam o que lhes acontece, como o Governo não deixa necessariamente claro quem persegue e detêm, e porquê. É aceitável assumir que há de longe muitos mais casos além dos que sabemos.

– Mas tem uma ideia de quantos mais? No relatório mencionam quatro.

S.R. – É importante salientar que este é um dos problemas mais comuns com que nos deparamos. Num país onde o Governo é tão avesso a uma sociedade civil independente, os relatórios independentes não são propriamente fáceis.

– No relatório, também alertam para casos de alunos do Continente que foram avisados por Pequim para não participarem nos protestos em Hong Kong. Têm conhecimento que o mesmo esteja a acontecer noutras partes do mundo?

S.R. – O problema que identificámos fora do Continente ou Hong Kong é de alunos chineses que atacam outros estudantes que apoiam o movimento pró-democracia na região em campus universitários, como aconteceu na Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos. É difícil dizer quantos desses alunos estão a fazê-lo porque recebem ordens ou simplesmente porque acham que é o certo. A nossa principal preocupação é se escolas estão a fazer tudo para assegurar que o campus está consciente de que manifestar-se pacificamente é aceitável, mas agredir outros não.

– Recentemente a Amnistia Internacional fala de abusos das autoridades contra os manifestantes próximos da tortura. Tem conhecimento de casos destes?

S.R. – Estamos bastante preocupados com os abusos das autoridades. Certamente também haverá atos inaceitáveis de violência por parte de manifestantes. Desconheço esse relatório da Amnistia e por isso não quero comentar, mas por enquanto não recolhemos informação que nos permita concluir de que há tortura. Há casos que nos preocupam. Há alegações de que houve pessoas detidas em espaços que não são de fácil acesso, e de que há maus-tratos. Chegámos a um ponto em que as pessoas perderam confiança na polícia que durante um longo período, e em termos históricos, fez um bom trabalho de gerir manifestações de grande escala.

– Vemos que a situação piora de dia para dia. O que a preocupa mais?

S.R. – O que muitos observadores alertam desde 1997: se Pequim respeita o compromisso que assumiu de que a população de Hong Kong iria continuar a gozar dos direitos garantidos. A Declaração Conjunta, a Lei Básica e a Lei Internacional asseguram direitos e liberdades às pessoas de Hong Kong, e Pequim parece determinado a tirar-lhes isso.

– A Chefe do Executivo Carrie Lam já assumiu pedir a ajuda de Pequim. Preocupa-a?

S.R. – Completamente. Desde a transferência que a autonomia da administração de Hong Kong se tem tornado progressivamente menor. Hong Kong estaria numa situação bem diferente se a Chefe do Executivo tivesse realmente respondido, e defendido os pedidos e direitos da população. Em vez disso, preferiu fazer o que Pequim lhe disse para fazer ou o que julga que Pequim queria que fizesse.

– O que pode significar pedir a intervenção de Pequim?

S.R. – É difícil perceber o que de facto se está a passar. Não é claro se diz isso para ver se os protestos terminam ou se a situação vai mesmo piorar. Se fosse a primeira Chefe do Executivo a mostrar tamanha fragilidade, a situação seria diferente. A realidade é que os sucessivos Chefes do Executivo foram mostrando fragilidade porque foram escolhidos essencialmente por apoiantes de Pequim. Têm sido progressivamente mais fracos e menos diligentes na representação da população de Hong Kong. O que assistimos é a população de Hong Kong a vincar insistentemente que quer os direitos que lhe foram prometidos, e que se as autoridades de Hong Kong não conseguem assegurá-los, vão deixar bem claro a Pequim de que são direitos que merecem.

– No mesmo relatório, a Human Rights Watch diz que se há pessoas no Continente que apoiam Hong Kong significa que a democracia é uma vontade de ambos os lados da fronteira. Acredita que a democracia é de facto uma possibilidade em Hong Kong e no Continente?

S.R. – Não se trata do que acredito mas sim de que as pessoas dos dois lados da fronteira têm direito absoluto à participação política. Toda gente tem esse direito. É só uma questão de quando as autoridades, tanto de Hong Kong como de Pequim, vão aceitar essa realidade.

– Insisto, estamos a falar da China e do Governo central.

S.R. – É indiscutível de que o Governo central e o Partido se mostram completamente hostis às ideias de participação política e de democracia. Mas a verdade é que há um número considerável de pessoas na China que continuam a pedir a democratização. É difícil perceber de que forma é uma vontade generalizada porque o Partido nem permite essa discussão. Limita-se a dizer de que fala pela população e de que a população não quer.

– Como interpreta a postura da comunidade internacional?

S.R. – Enquanto houver pessoas na China que lutam pela democracia, nós também continuaremos a lutar. É isso que é a Human Rights. Não devemos ser menos determinados com a luta das pessoas na China do que somos com as populações de qualquer outra parte do mundo. A resposta da comunidade internacional à situação em Hong Kong é muito interessante. Olhe-se para a posição da Apple ou da NBA. Parte do que está a acontecer deve-se a uma submissão à pressão do Governo central, que agora é muito mais clara. Nunca pensei estar a discutir a questão de Hong Kong, Pequim e da censura por causa da NBA, South Park e da Apple. Já não estamos só a falar da população em Hong Kong ou da parte da população muito vulnerável que luta pela democracia no Continente. Estamos a falar da conduta de um Governo muito poderoso que agora tem consequências muito para além das suas fronteiras e que de facto pode exercer censura na Filadélfia e em Washington. As pessoas conseguem ver agora de forma mais clara como Pequim pode e afeta toda gente.

– Há pouco falava da violência de ambas as partes. Há uma condenação generalizada da violência policial que não se repete face à violência de alguns manifestantes. A que se deve?

S.R. – Temos sido inequívocos: as pessoas têm o direito de se manifestarem de forma pacífica. Não têm o direito de o fazer de forma violenta. E somos tão contra à violência dos manifestantes como somos contra à violência da polícia. Mas para quem tem acompanhado Hong Kong, especialmente desde 1997, acho que ver artigos que se focam tanto na violência dos manifestantes parece descontextualizado. Essas histórias ignoram o facto de que durante 22 anos as pessoas em Hong Kong pediram de forma pacífica e respeitando a lei que os seus direitos fossem respeitados. E isso não desculpa qualquer violência. Mas vamos ser claros: as pessoas começaram a usar meios mais violentos depois de as autoridades ignorarem sistematicamente, e durante décadas, a possibilidade de haver discussões públicas sobre temas como o sufrágio universal.

– Qual é a solução para a crise que Hong Kong vive há quatro meses?

S.R. – Os esforços de Carrie Lam para o diálogo não só são demasiado insignificantes e tardios, como são demasiado controlados e para muita gente parecem não ser sinceros.

– Não se ouve falar de Macau nos vossos relatórios: não há problemas de violação de direitos aqui?

S.R. – Literalmente por motivos de recursos não temos seguido bem a situação de Macau. Temos dois investigadores para todo o trabalho que fazemos sobre a China, e isto inclui assuntos domésticos como Xinjiang e a situação em Hong Kong, como o impacto que o país tem no resto do mundo. É com pena que desiludo na última pergunta.

Catarina Brites Soares 25.10.2019

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