País quer replicar papel de Macau na África Ocidental

por Arsenio Reis

Cabo Verde quer afirmar-se como a porta da China para a região da África Ocidental, tal como Macau o faz nas relações entre o “gigante asiático” e os Países de Língua Portuguesa (PLP). E, nesse caminho, não embarca nas teses da “armadilha da dívida”, que acusam a China de instalar nas relações com o continente africano. 

 “Queremos ser úteis no Atlântico Médio, potenciando a localização, a estabilidade política, economia e social do país, visando a costa africana ocidental e também a iniciativa da zona de livre comércio em África. Nesse sentido há aqui cruzamentos: assim como Macau tem um papel importante entre a China e os PLP, Cabo Verde também o pode ter numa perspetiva regional, ao ser também a porta de entrada da China nos países da África ocidental”, disse ao PLATAFORMA Macau o ministro da Indústria, Comércio e Energia cabo-verdiano, Alexandre Dias Monteiro.

O governante, que se deslocou a Macau à frente da missão cabo-verdiana que participa Feira Internacional de Macau (MIF, sigla em inglês) na qualidade de país parceiro, lembrou que Cabo Verde é hoje considerado “um país de desenvolvimento médio, mas que ambiciona a ser um país desenvolvido”.

Nessa caminhada, Alexandre Monteiro acentuou que o Governo traçou como “um dos objetivos estratégicos transformar Cabo Verde numa economia de circulação no Atlântico Médio”, mas que, para isso, precisa de “continuar a crescer e de mercado”.

“Daí a estratégia assentar numa circulação baseada em plataformas. Estas incluem as áreas financeira, comércio, indústria, turismo, aérea, marítima, envolvendo toda a logística e um centro internacional de negócios”, salientou.

Para o ministro, esta estratégia encontra “até convergência de interesses” entre Pequim e a Praia.

“A viabilização desta estratégia pressupõe a captação de investimentos privados, que terão de ser mobilizados. Há aqui um cruzamento entre a estratégia de desenvolvimento da própria China, como seja a iniciativa Faixa e Rota, e de Macau, enquanto ator principal do projeto da Grande Baía. Acompanhamos tudo isto com interesse, aproveitando estas iniciativas [como a MIF] para alavancar a implementação dessa estratégia”, justificou.

Alexandre Dias Monteiro recordou que Cabo Verde é “um país pequeno e aberto ao mundo” e tem de “aproveitar todas as oportunidades” para se mostrar.

“A plataforma do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau) e a MIF proporcionam um espaço importante de intercâmbio, de conhecimentos e do estabelecimento de confiança para a realização e promoção de negócios”, defendeu.

Cabo Verde – prosseguiu – está aqui [MIF] como país parceiro e com uma boa representação empresarial. Estamos a apresentar as potencialidades de negócio, em termos de produtos locais e que podem interessar a mercados de nicho, mas também a capacidade de serviços que podem complementar-se e desenvolver negócios”. 

Esta presença vai permitir às empresas cabo-verdianas conhecer parceiras chinesas e da Região Administrativa Especial de Macau, adiantou, acentuando que essa “é a base fundamental para os negócios nas áreas de comércio e serviços entre Cabo Verde, Macau e a República Popular da China”.

O governante qualificou o Fórum Macau como “um instrumento importante” ao proporcionar “oportunidades de negócios e, sobretudo, ao criar uma perspetiva de facilitação dos mesmos”.

“Estamos a falar de um mercado com caraterísticas próprias, o mercado chinês, e do mercado de países lusófonos. Macau tem essa facilidade linguística de cruzamento entre os países, contando com outros fatores como sejam os aspetos jurídicos e administrativos, designadamente em matéria dos termos de entendimento das regras do negócio. O Fórum acaba por ser uma plataforma facilitadora de negócios entre República Popular da China e os PLP”, reconheceu.

O responsável falou também da “progressiva expressão” que os investimentos chineses vão ganhando em Cabo Verde e exemplificou com “um grande projeto turístico em curso que tem origem num investidor chinês, de Macau”.

“Temos um mercado relativamente pequeno, de um país pequeno. Portanto, os volumes comerciais paras as necessidades do mercado interno não se esperam elevados. Daí a estratégia de servir de base logística, de plataforma comercial e industrial de empresas chinesas e de outras partes do mundo que queiram instalar-se em Cabo Verde”, reforçou, enfatizando “a melhoria do ambiente de negócios em que o Governo vem trabalhando”.

A conversa abordou também aquele que é um dos “mais ambiciosos” projetos em curso no país: a Zona Económica Especial de Economia Marítima em São Vicente, e a ligação do projeto à China.

“Sabemos que a China tem uma experiência relevante no desenvolvimento de zonas económicas especiais. Temos relações históricas de cooperação, que vêm desde a independência. A China foi também um parceiro que nos apoiou no planeamento, no estudo da zona económica especial de São Vicente, que está numa fase de implementação. As nossas relações entraram numa nova era, uma era de cooperação empresarial”, disse.

Lembrou que o projeto tem um plano e um quadro legal aprovados, estando numa fase de implementação que exige investimentos em infraestruturas e atração de investidores.

“Trata-se de uma zona económica especial, aberta ao mundo e a investidores de todas as partes. Acreditamos nas manifestações de interesse e na estratégia de expansão da própria China. É um grande mercado de investidores que Cabo Verde pode e deve apostar, e que converge com a iniciativa Faixa e Rota”, admitiu.

Alexandre Dias Monteiro lembrou que a cooperação bilateral entre Pequim e a Praia tem sido transversal, centrada em infraestruturas em áreas como a saúde, a educação e o desporto, sem esquecer “o apoio na parte institucional da formação e capacitação”. 

“A China tem sido um parceiro de facto e ajudado muito no processo de desenvolvimento. Em termos de novos desafios é preciso criar as bases para parcerias empresariais, numa perspetiva win-win. É essa a abordagem que queremos com empresas chinesas em áreas como o turismo, a economia ligada ao mar, a indústria e a energia. Há aqui um acasalamento entre a expansão de negócios da China no mundo e a estratégia de Cabo Verde aparecer como uma base, uma localização disponível para atração desses investimentos”, indicou.

Questionado se o Governo cabo-verdiano não está preocupado com teses que acusam a China de assentar as relações com África naquilo que qualificam como a “armadilha da dívida” [endividamento excessivo com prazos de reembolsos a estenderem-se por anos], Alexandre Dias Monteiro foi taxativo: “Isso é uma falsa questão. Temos uma experiência e uma história de uma relação de excelência com a República Popular da China. Isso não é uma questão para nós!”. 

António Bilrero 18.10.2019

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