Prevenir para não remediar

por Arsenio Reis

Advogados Leonel Alves, Jorge Menezes e Frederico Rato concordam que as decisões do Governo e da Justiça se devem ao medo de contágio da situação em Hong Kong. Macau é uma terra de harmonia e o Executivo tudo fará para impedir que o cenário da região vizinha se repita aqui.

Todos os atos ou intenções de apoio ao movimento de protestos contra o Governo em Hong Kong foram proibidos e censurados pelo Executivo local, autoridades e, por último, Justiça (Ver páginas 8 e 9). Impera a pergunta: será medo de que a situação de caos em Hong Kong, sob protestos há quase quatro meses, se alastre a Macau ou uma mudança de rumo da cidade no sentido da maior repressão de direitos e liberdades?

Jorge Menezes responde que ambas as leituras são legítimas. “A repressão dos direitos e liberdades já vinha em crescendo nos últimos dois ou três anos. Os incidentes de Hong Kong geraram um pavor no Governo”, refere o advogado, que logo acrescenta: “O medo da população é típico de Governos não democráticos. O desespero e a atrapalhação do Governo desde os incidentes de Hong Kong faz com que a violação dos direitos fundamentais se tenha tornado descuidada, incoerente e desmesurada”.

Já Leonel Alves salienta a preocupação de manter a estabilidade e a harmonia social. “São os valores fundamentais da RAEM, sem os quais, dada a fragilidade da própria situação de Macau, poderiam surgir efeitos perversos, incontroláveis e indesejados. Portanto, toda esta conceção deve prevalecer assim como a ideia de manter a todo o custo a estabilidade social de Macau sem a qual não haverá desenvolvimento económico”, argumenta o membro do Conselho Executivo.

Frederico Rato sublinha o contexto. “O clima de insegurança e de paralisação de Hong Kong, gerado pelas violentas ações da força policial e de alguns dos manifestantes, terá desencadeado nas autoridades de Macau um receio compreensível de contaminação, que terá levado a medidas mais específicas para evitar o surgimento de situação semelhante”, afirma o advogado. 

A Lei Básica, diz Leonel Alves, existe para garantir valores como o do desenvolvimento social estável, e de interação entre as comunidades num ambiente de paz e de tranquilidade. “Quando estas são postas em causa, o poder político tem de agir, e aqui em Macau tem de agir preventivamente porque, já se sabe, seria normal uma propagação ou uma extensão desta situação”, antevê.

Menezes fala de repressão que, vinca, silenciou a sociedade civil. “Vemos a academia em silêncio, a associação dos advogados obediente, os cidadãos assustados. Os que fingem concordar com esta repressão falam livremente, os que discordam têm medo das consequências e quase todos se calam”, condena. 

A conduta das autoridades, reforça, tem sido “inequivocamente política”. “As autoridades estão a punir o conteúdo da mensagem, não os atos.” E volta à carga, desta feita contra o Tribunal de Última Instância (TUI). “O TUI nem sequer cumpriu o dever de dizer qual a lei que seria violada pela manifestação. A própria pobreza jurídica do acórdão é típica de expressão de um pensamento político e não jurídico.”

É preciso ter cuidado, alerta por sua vez Leonel Alves. O antigo deputado à Assembleia Legislativa recorda tempos de instabilidade em Macau – como os da Revolução Cultural e de pós-25 de Abril – para reforçar que a estabilidade deve estar acima de tudo. “Havendo obviamente um espaço de respeito pelos Direitos Humanos fundamentais”, ressalva o membro da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, órgão de consulta do Governo central.

Liberdades e direitos, sublinha o advogado, que não devem ser confundidos com o que está a acontecer em Hong Kong. “Partir a montra de uma loja, espancar um cidadão indefeso é pôr a própria liberdade e direitos humanos em causa. É inadmissível”, vinca Leonel Alves, que preside a Comissão de Fiscalização da Disciplina das Forças e Serviços de Segurança. 

Já Frederico Rato defende que o “receio” do contágio não pode servir de álibi para tudo. “Tal receio, se justificado pelo facto de a vida económico-social de Macau assentar na mono-indústria do jogo, a qual tem como pressupostos a calma social e a segurança, sem a quais Macau passa a ser um museu de casinos resort fantasmas e de cortes de desempregados, não deve ser argumento que iniba o exercício de direitos consignados na Lei Básica, nomeadamente o direito de manifestação, sempre pacífica, acentue-se, em local próprio, quer seja de 20, quer de 200, quer de 2000 pessoas. O direito de manifestação é uma sequela do direito de livre expressão do pensamento, sempre nos termos e condições regulados na lei”, sublinha.

O advogado faz questão de reforçar que o equilíbrio entre a ordem e segurança públicas, e ativação de direitos cívicos, é possível. “Está ao alcance das previsões legais e é desejável no espaço da RAEM, para o que releva o senso político da governação e o exercício da cidadania pelos residentes da Região”, vinca.

Cenários  prováveis

Um dos argumentos do TUI para negar o provimento do recurso foi o da não ingerência. Por esta ordem de ideias, teria de ser também proibida uma manifestação de apoio à polícia e de condenação dos manifestantes de Hong Kong, ou de apoio ao presidente Xi Jinping e de condenação dos atos ofensivos aos símbolos da China? 

“Se esse pedido tivesse sido feito antes da proibição das manifestações, seria certamente permitido. Agora, poderiam querer proibir para salvar a face”, especula Jorge Menezes. Certo, diz, é que a posição do TUI deixa claro que as manifestações locais não podem violar leis externas. “Assim, se quisermos fazer uma manifestação contra a discriminação das mulheres no mundo, o TUI proibirá dizendo que isso violaria a lei na Arábia Saudita e no Irão. Uma manifestação contra a pena de morte, violaria a lei dos EUA e da China. Felizmente já não existe o Apartheid, senão, de acordo com o TUI, uma manifestação contra o racismo seria também ilegal”, ironiza.  “A esperança é que, sendo o acórdão tão incoerente, isto não suceda. Caso contrário, terão acabado as vigílias em Macau sobre Tiananmen, pois tal é ilegal na China”, conclui. 

Rato condena a violência em Hong Kong e defende que é o que a está a transformar numa cidade morta, em falência quase irreversível e sem qualquer benefício para as suas gentes. “Violência atrai violência, numa espiral sem fim. A adoção da tática de ‘quanto pior, melhor!’ é o suicídio de Hong Kong, e é absolutamente indesejável a sua exportação para Macau”, realça. O diálogo para recuperar a confiança na RAEHK é o caminho para o advogado, que antevê o pior cenário. “Os primeiros mortos nos confrontos de Hong Kong assomam e tal será óleo sobre as chamas, até ao último suspiro da cidade, com todas as consequências que tal situação terá para Macau.”

O PLATAFORMA procurou falar com mais advogados, entre os quais o presidente e vice-presidente da Associação dos Advogados, Neto Valente e Oriana Pun, respetivamente, mas sem sucesso até ao fecho da edição.  

Polícia promete justiça e deixa avisos

Em resposta ao PLATAFORMA à questão se estará Macau a defender-se do medo de que o movimento em Hong Kong se estenda a Macau, a Polícia de Segurança Pública (PSP) responde: “É de salientar que esta Corporação tem tratado os avisos prévios sobre o direito de reunião e de manifestação de uma forma justa, imparcial e rigorosa e conforme a lei.” A polícia vinca que os residentes gozam do direito de manifestação e reforça: “Esta Corporação respeita absolutamente o direito dos residentes”. 

A PSP diz ter recebido 188 pedidos de reuniões/manifestações desde setembro de 2018. Dois não foram autorizados. 

As autoridades deixam um aviso. “Há pessoas que convocaram na internet um “flash mob” com o mesmo tema – “opor a violência/tortura da Polícia de Hong Kong! A PSP declara solenemente que, relativamente ao recurso sobre a não permissão da realização da reunião por parte da Polícia, o órgão judicial (o Tribunal de Última Instância) já proferiu a respetiva decisão, portanto, o ato acima referido pode corresponder ao crime de desobediência qualificada e a reunião ilegal. Esta Corporação aconselhou os respetivos indivíduos a não infringirem a lei”. 

Sobre o caso dos dois jovens que afixaram cartazes em edifícios de interesse arquitetónico, as autoridades explicam não poder revelar mais detalhes além dos publicados porque o caso “encontra-se em averiguação”. A PSP limita-se a repetir o que já foi divulgado. Na nota, explica-se que os dois indivíduos são homens, com cerca de vinte anos, residentes de Macau e, não foram detidos. Refere-se também que um departamento público irá proceder à efetivação da respetiva responsabilidade criminal. “Não revelamos qual será esse departamento”, afirma. O PLATAFORMA questionou o Instituto Cultural (IC) sobre quais são os edifícios em causa e que danos foram causados. O organismo escusou-se a adiantar detalhes porque o caso está sob investigação e limitou-se a citar o comunicado já publicado no qual refere que “o IC não denunciou ninguém relativamente ao incidente, sendo que irá cooperar com a investigação da PSP”. Na mesma nota, o organismo recorda o artigo 35º da Lei de Salvaguarda do Património Cultural que refere “que as inscrições, afixações e instalações em bens imóveis classificados e nas zonas de proteção sem pedido e autorização prévio incorrem em sanções” (Ver páginas 8 9).

Catarina Brites Soares 11.10.2019

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