O risco das fake news em África

por Arsenio Reis

A poucos dias das eleições gerais em Moçambique, a desinformação e publicação de ‘fake news’ no continente africano estão a crescer. Analistas temem a instrumentalização dos eleitores. 

Em Moçambique, os principais dirigentes já se demarcaram de rumores e atos de desinformação, mas esse é um problema transversal a todo o continente africano. O diretor-executivo do programa de verificação de factos Africa Check alertou para a desinformação sobre África e garante este é um problema que “existe em todo o mundo”, não sendo exclusivo do continente africano.

“Há muita desinformação sobre África, no geral. (…) Para mim África não chegou tarde à Internet. Claro que o acesso à Internet ainda é um problema, mas acho que temos tendência a generalizar muitas coisas quando falamos do continente”, explicou Nogo Makgato à Lusa, numa entrevista telefónica a partir da África do Sul.

“O problema existe em todo o mundo. Não há nada em África que coloque as pessoas mais suscetíveis à desinformação de canais como redes sociais e ferramentas de comunicação”, disse, dando o exemplo dos Estados Unidos, em que as eleições “foram influenciadas por todo o tipo de campanhas ‘online’”.

Para o responsável do programa, criado em 2012, a forma como a desinformação é recebida e interpretada “é muito semelhante”, seja em que continente for.”Não acho que seja um problema ligado a problemas de desenvolvimento, à educação, à longa exposição à internet. Acho que é um problema humano”, referiu.

O diretor-executivo do Africa Check sublinhou a necessidade de se trabalhar “estratégias adaptadas a cada país, com base nos canais e no modo como a desinformação é propagada”. 

Noko Makgato detalhou a forma como trabalha a Africa Check no combate às chamadas ‘fake news’: “Acedemos a queixas que nos são identificadas por membros do público como potencialmente enganadoras ou incorretas. Analisamos essas queixas – há uma metodologia que utilizamos para analisar a veracidade da informação – e contactamos as fontes presentes no que é denunciado (…). Entramos em contacto com os autores das afirmações e investigamos de maneira mais aprofundada”, explicou, acrescentando que os resultados são então publicados no site.

Para o responsável do Africa Check, em períodos próximos de eleições, “a viralidade das ‘fake news’ dispara. Este ano tivemos eleições em três dos quatro países onde operamos. O Senegal teve eleições, a Nigéria teve eleições e a África do Sul teve eleições. Durante estes períodos, a desinformação entrou em sobremarcha”, sublinhou Noko Makgato. Segundo o responsável, isto requer “mais do que o normal”, obrigando o projeto a colocar “recursos adicionais” e a uma dedicação quase exclusiva da “cobertura das eleições”. 

O Africa Check realiza um trabalho de preparação da campanha, e tenta aferir quais os resultados e promessas cumpridas pelo partido eleito. “Realizamos trabalho de preparação antes da campanha e, depois, durante a campanha, recolhemos as promessas feitas pelos vários partidos políticos – em particular os principais. Depois das eleições, analisamos as promessas desses partidos, em particular as do partido vencedor. Além disso, analisamos os manifestos dos partidos”, referiu.

Atualmente, o Africa Check atua em quatro países: África do Sul, Nigéria, Quénia e Senegal. “É aí que fazemos o grosso do nosso trabalho. A nossa metodologia é concentrar os nossos esforços num determinado país, ou então estendê-los a uma região onde esse país possa ter influência ou ser um ator principal, e aí tendemos a limitar o nosso trabalho a isso”, disse o responsável.

No entanto, sublinhou, o trabalho do Africa Check não se limita a estes quatro países, e inclui um programa de apoio a outras organizações de verificação de factos no continente. “Trabalhamos em parceria com outros para lhes fornecer as habilidades, a experiência do trabalho de verificação de factos e qualquer outro apoio que possamos conceder”, disse. “Neste momento, temos uma das nossas pessoas na Etiópia a conduzir formações, recentemente estivemos também na Namíbia. Trabalhamos um pouco por todo o continente, em termos de formação. Mas em termos de ‘fact checking’ estamos limitados aos países onde estamos”, acrescentou.

Noko Makgato defende que uma forma de otimizar o trabalho da verificação de factos passa pela publicação de relatórios e dados oficiais pelas agências estatísticas nacionais dos países do continente. “Em certas partes do continente [é complicado] aceder à dados credíveis, porque muitas das vezes os dados não estão acessíveis, então lutamos, em particular em partes da África Ocidental, onde temos ainda o desafio de obter dados credíveis de fontes governamentais. Isso pode ser desafiado, e nessas situações contactamos especialistas nesses países que estão familiarizados com o assunto e que tenham acesso às suas próprias bases de dados”, constatou.

O Africa Check foi fundado em 2012 com o apoio da agência France-Presse, e o seu financiamento surge por parte de doações. Entre os principais contribuidores estão a Shuttleworth Foundation, a Bill & Melinda Gates Foundation e a Luminate Group, entre outros, que incluem o Standard Bank e o Facebook.

Agências de notícias africanas preocupadas

Em Cabo Verde, o presidente da federação das agências de notícias da África ocidental defendeu a necessidade de investimentos nestes órgãos para garantir a primeira linha do combate às ‘fake news’ que também afetam o continente africano. Khalil Hachimi Idrissi, presidente da Federação Atlântica das Agências de Notícias Africana (FAAPA, na sigla francesa), admitiu que o “problema das ‘fake news’ é, atualmente, global. Todos os países, de todos os continentes, são afetados pelas ‘fake news’. É um verdadeiro tsunami”.

Para o jornalista marroquino, o combate às ‘fake news’ tem nas agências de notícias o principal aliado, face à rapidez com que se espera que os seus profissionais informem. “O problema das agências de informação africanas é a falta de meios. É preciso ver que, em geral, as equipas são pequenas, os orçamentos são pequenos e o apoio do público é curto. Diria que é um problema de orçamento”, reconheceu, assumindo que só é possível combater as ‘fake news’ “com informação verdadeira”.

Outra das prioridades para o presidente da FAAPA, em matéria de combate à desinformação, passa por uma educação para os ‘media’. “É preciso educar os mais novos, desde cedo, a que percebam o que é uma ‘fake news’, o que é um ‘site’, um blogue, o que é uma ‘newsletter’, o que é um Twitter e o que é um Instagram. Assim, além de os ajudar a distinguir, vamos proteger a juventude e permitir que sejam menos permeáveis às ‘fake news’. Mas tem de ser uma campanha universal com estratégias adaptadas a cada país”, alertou. 

Jorge Oliveira e Paulo Julião 11.10.2019

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