Agora, a lei é outra

por Arsenio Reis

Hong Kong implementou a Emergency Regulations Ordinance – Portaria de Regulamentação de Emergência. O regulamento não estava em vigor há mais de meio século e nunca foi usado desde a transferência de soberania, em 1997. 

O Governo de Carrie Lam resolveu implementar a lei, do tempo colonial, para poder aprovar a legislação que proíbe o uso de máscaras. O intuito, alega o Governo, era implementar a legislação sem ser necessário a aprovação do Conselho Legislativo, que retoma funções dia 16. Carrie Lam justificou-se com a “falta de tempo”. “É urgente agir”, afirmou na conferência de imprensa de sexta-feira passada, 4 de outubro. Mas prometeu levar a medida a votos assim que o parlamento retomar os trabalhos. 

O objetivo, garantiu Carrie Lam, é parar a violência e recuperar a calma. Antecipando protestos naquele dia, os funcionários públicos tiveram ordem de saída mais cedo, as escolas fecharam antes do horário normal e todas as atividades escolares foram canceladas no sábado. Centros comerciais, bancos e muitos negócios também fecharam portas. O metro, cuja empresa gestora MTR é acusada de estar ao lado de Pequim, esteve encerrado desde sexta-feira e quase todo o sábado, assim como espaços de lazer e cultura. 

O Emergency Regulations Ordinance foi criado pelo Governo colonial em 1922. Esteve em vigor, pela última vez, em 1967 para acabar com os motins pró-comunistas. A legislação confere plenos poderes ao Chefe do Executivo que pode “aplicar qualquer lei” que possa considerar ser do melhor interesse público em situações consideradas “de emergência ou de perigo público”. 

A líder do Executivo tem agora o poder de determinar medidas para combater a agitação civil que podem passar pela autorização de prisões, detenções e deportações, censura da imprensa, mudança ou aprovação de novas leis. O Governo pode ainda decidir sobre a entrada e saída de pessoas da região, assim como os critérios para que sejam autorizadas, e apropriar-se de propriedade.

Especialistas em Direito explicam que, apesar dos poderes ilimitados, o Governo pode ser chamado à Justiça se tomar alguma medida que viole a Lei Básica. 

Carrie Lam deixou um aviso: estão em cima da mesa medidas mais duras se o movimento de contestação continuar. Grupos de apoio aos polícias e políticos pró-Pequim pedem Recolher Obrigatório e o adiamento das eleições distritais agendadas para o próximo mês. “As liberdades têm limites”, vincou Carrie Lam na conferência de imprensa que durou duas horas. A Chefe do Executivo vincou que o regulamento não significa que Hong Kong está em Estado de Emergência, mas ressalvou que a cidade “está num estado de perigo público sério”. 

Lei Anti-Máscara

O secretário para a Segurança de Hong Kong diz que a proibição se aplica sempre que houver reuniões – marchas e manifestações – autorizadas e não autorizadas, e protestos ilegais.

A proibição abrange todo o tipo de proteção facial, incluindo pinturas no rosto. Há exceções como quem usa máscara por motivos de saúde e por exigência da profissão. 

Quem violar a lei, que entrou em vigor no sábado, pode apanhar um ano de prisão ou ser multado em 25 mil dólares de Hong Kong. 

A aprovação da lei provocou mais protestos. Um adolescente, de 14 anos, foi baleado na sexta-feira à noite na coxa por um polícia de folga, que disparou em legítima defesa.

O Supremo Tribunal rejeitou um recurso apresentado por representantes pró-democracia no Conselho Legislativo contra a decisão do Governo. O deputado Dennis Kwok disse que o tribunal aceitou, contudo, analisar ainda este mês um pedido de 24 deputados contra o uso da Portaria de Regulamentação de Emergência.

As máscaras têm sido usadas pelos manifestantes por vários motivos, como o de esconder a identidade com receio dos empregadores, pais e, em alguns casos, das autoridades, e para os proteger do gás lacrimogéneo. 

Na Europa

– Este ano, França introduziu legislação similar que impediu os manifestantes de usarem máscaras em resposta ao movimento dos “coletes amarelos”. A lei francesa prevê um ano de prisão e uma multa de 15 mil euros. 

– Na Alemanha, onde usar máscaras durante protestos é proibido desde a década de 80, não há penas de prisão para quem violar a lei e as multas por norma não excedem os 300 euros. Se um elevado número de manifestantes desafiarem a proibição e usarem máscaras, a polícia dispersa a multidão, mas evita fazer detenções em massa. 

– Noruega também já implementou legislação parecida que proibia o uso de máscaras em manifestações ou outras reuniões públicas. A lei está no Police Act, mas não faz parte do Direito Penal.

Macau: Governo pode suspender direitos durante 48 horas

Lei de Bases da Segurança Interna da Região Administrativa Especial de Macau

Artigo 8º

Restrição de direitos

1. Em caso de emergência perante grave ameaça de perturbação da segurança pública interna e com observância do disposto no artigo 40.º da Lei Básica, o Chefe do Executivo pode decretar medidas de restrição do exercício de direitos, liberdades e garantias, consideradas razoáveis, adequadas e proporcionais à manutenção da ordem e tranquilidade públicas, por período de tempo não superior a 48 horas.

Lei Básica

Artigo 18º 

No caso de o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional decidir declarar o estado de guerra ou, por motivo de distúrbios na Região que ponham em perigo a unidade ou segurança nacionais e não possam ser controlados pelo Governo da Região, decidir a entrada da Região no estado de emergência, o Governo Popular Central pode ordenar, por decreto, a aplicação das respectivas leis nacionais na Região.

Lei do Estacionamento de Tropas na RAEM da República Popular da China

Capítulo II – Atribuições da Guarnição em Macau

Artigo 7º

No caso do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional decidir declarar o estado de guerra ou, devido à ocorrência na Região Administrativa Especial de Macau de tumultos que ameacem a unidade ou a segurança do Estado e que sejam incontroláveis pelo Governo da Região Administrativa Especial de Macau, decidir declarar o estado de emergência na Região Administrativa Especial de Macau, a Guarnição em Macau cumprirá as suas atribuições nos termos das leis nacionais aplicáveis à Região Administrativa Especial de Macau por decisão do Governo Popular Central.

*No tempo da administração portuguesa, houve legislação similar à que Hong Kong implementou no, que também conferia poderes excepcionais ao Governador. No Estatuto Orgânico de Macau, a alínea D, do artigo 11 do Capítulo II, previa que o Governador podia “Adoptar, ouvido o Conselho Consultivo, em caso de ameaça ou perturbação graves da ordem pública em qualquer parte do território de Macau, as providências necessárias e adequadas ao seu pronto restabelecimento, as quais, quando haja necessidade de restringir ou suspender temporariamente o exercício de direitos, liberdades e garantias constitucionais, devem ser precedidas de consulta à Assembleia Legislativa e comunicadas, logo que possível, ao Presidente da República”. A legislação não foi adoptada pela RAEM. 

Hong Kong admite pedir ajuda a Pequim

A Chefe do Executivo ameaçou que Pequim pode vir a intervir se a violência dos protestos piorar. “Ainda sinto, fortemente, que devíamos encontrar soluções. Essa também é a posição do Governo central, de que Hong Kong deve resolver o problema por conta própria. Mas se a situação piorar, nenhuma opção poderá ser descartada, se quisermos que Hong Kong tenha pelo menos uma outra oportunidade”, afirmou, em conferência de imprensa. Sem detalhar os mecanismos legais que o permitem, Carrie Lam garantiu que a possibilidade de Hong Kong pedir a intervenção de Pequim está prevista na Lei Básica. A líder do Governo pediu ainda aos críticos estrangeiros que aceitem que os quatro meses de protestos marcados pela escalada da violência não podem mais ser caracterizados como “um movimento pacífico pela democracia”. O Governo de Hong Kong também já admite impor restrições à Internet como forma de impedir os protestos, segundo disse à agência noticiosa AFP Ip Kwok-Im, membro do Conselho Executivo e deputado.

Catarina Brites Soares 11.10.2019

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